Veja orientações dos especialistas para diferentes situações de quem está com dívidas
RIO – Rafael Neves, trabalhador autônomo, de 26 anos, pegou um empréstimo de R$ 1.200 no ano passado. Do total, conseguiu pagar apenas cerca de 20% e hoje integra o grupo de 60 milhões de brasileiros inadimplentes e uma fatia crescente de devedores que sofre com cobranças abusivas.
— Toda semana ligam para minha tia e para a loja da minha mãe para falar da minha dívida. Agora, todos sabem da minha situação. É constrangedor — diz Neves.
A professora Marileide do Nascimento, de 42 anos, que tem dívida no cartão de crédito, também se queixa das ligações diárias feitas à filha e ao marido:
— As ligações são frequentes e em horários inapropriados. Fico chateada quando ligam para outras pessoas, mesmo que sejam da minha família.
No Rio, desde a última sexta-feira, quando entrou em vigor a lei 7.868/18, do deputado André Ceciliano (PT), as empresas estão proibidas de cobrar dívidas de inadimplentes por meio de contatos de terceiros, mesmo quando o número for informado como referência pelo consumidor. O texto estabelece, ainda, que deve haver a possibilidade de solicitar a gravação da ligação e de mecanismos de cancelamento das chamadas indevidas. Além disso, as chamadas para o titular da dívida só podem ser feitas em dias úteis, das 9h à 19h.
— Inadimplente tem direitos. E o primeiro deles é não ser exposto ao ridículo e a situações constrangedoras. Muitas pessoas com dívidas acabam se tornando superendividados ao contratar novos empréstimos para quitar os débitos anteriores e se livrar de cobranças abusivas — ressalta Patricia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Direito do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio.
Diógenes Donizete, coordenador do Programa de Apoio ao Superendividado do Procon/SP, acrescenta que qualquer acordo para pagamento de dívida deve garantir ao devedor recursos para sua sobrevivência:
— A renda do devedor precisa suprir necessidades básicas, como alimentação e moradia, além de pagar as parcelas da dívida. Nos acordos firmados pelo Procon/SP, as parcelas não costumam ultrapassar 30% da renda do consumidor.
No caso do autônomo Rafael Neves, a proposta de parcelamento da dívida, de cinco prestações de R$ 490, não cabe no seu orçamento.
— Ganho R$ 1.500 por mês, se pagasse essa prestação não teria o suficiente para manter a minha família — diz o autônomo.
A economista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, destaca, ainda, que retenção de documentos para transferência escolar e restrição de acesso a partes comuns do prédio, para quem está em débito com o condomínio, são práticas também consideradas abusivas.
Listamos orientações dos especialistas para diferentes situações de um consumidor inadimplente:
Portabilidade de crédito
Ao encontrar uma instituição com condições melhores para o seu empréstimo, o consumidor pode fazer a portabilidade do crédito. Patrícia Cardoso lembra que, ao simular a portabilidade de crédito, o consumidor deve estar atento ao detalhamento dos custos, verificar a inclusão de novos serviços ou tarifas, e questioná-las se for o caso. Antes de finalizar a portabilidade, é possível discutir com o banco atual a possibilidade de redução de juros e outros encargos. A resolução 4.292/2013 do Banco Central (BC) estabelece que é preciso ter o aceite do banco de destino. E, caso a instituição rejeite a proposta, tem de informar o motivo por escrito. Se a portabilidade for aceita, o banco de origem tem cinco dias para informar os dados e consolidar a operação. Se o prazo for descumprido, diz Ione Amorim, pode-se registrar queixa na ouvidoria, no BC e em órgãos de defesa do consumidor.
Financiamento imobiliário
Não existe uma resolução específica para renegociações de financiamento da casa própria. A economista do Idec, Ione Amorim, lembra, no entanto, que a instituição pode exigir o extrato do mês do FGTS, caso o crédito seja de recursos do fundo. E ressalta que qualquer sinal de que a quitação ou negociação está sendo dificultada pode ser denunciado ao Banco Central (BC) e aos órgãos de defesa do consumidor.
Prestações antecipadas
De acordo com a resolução 3.516/2007 do BC, é vedada a cobrança de tarifas para a quitação antecipada. O consumidor tem direito de saber o valor para a liquidação quando solicitado. O saldo deverá ser corrigido, ou seja, com desconto dos juros que estão embutidos nas parcelas a vencer. A defensora Patrícia Cardoso alerta que, se for negada a quitação antecipada, o consumidor pode recorrer à Justiça.
Crédito rotativo
As regras de pagamento das faturas dos cartões de crédito sofreram alteração há cerca de um ano (resolução 4.549/2017). Pela nova norma, o pagamento do valor mínimo da fatura pode ocorrer apenas uma vez. Ou seja, a partir do segundo vencimento, o saldo remanescente deve ser quitado ou parcelado em financiamento oferecido pela administradora do cartão. Muitos bancos estão determinando o parcelamento automaticamente, prática abusiva no entendimento do Idec. O instituto defende que, se o parcelamento oferecido não estiver de acordo com a disponibilidade do consumidor, ele deve solicitar a alteração. Patrícia Cardoso recomenda que se procure o crédito mais adequado para quitar o saldo, que pode ser de outra instituição. Ela esclarece que o consumidor pode simplesmente deixar de pagar, caso não tenha condição de arcar com a despesa.
Inadimplência escolar
As escolas não podem constranger o aluno, aplicar medidas punitivas, restringir o acesso às aulas ou impedi-lo de realizar provas, limitar a participação em eventos e dificultar o acesso ao material didático durante o período letivo (semestral ou anual). Entretanto, as escolas não são obrigadas a renovar a matrícula do aluno que está inadimplente, conforme a Lei 9.870/99. Prática, aliás, que vem sendo questionada judicialmente. Também é vedada a retenção de documentos para a transferência do estudante.
Aviso de dívida
A comunicação de inadimplência deve ser feita em documento oficial por meio eletrônico ou físico, informando a data da postagem e a comprovação de recebimento pelo consumidor. Esta prática permite, inclusive, que o cidadão questione a sua inclusão indevida no cadastro de devedores.
Serviço de saúde
Quem está com a mensalidade de planos de saúde em atraso pode usufruir dos serviços de laboratórios, hospitais e prestadores de serviços. Ione Amorim, do Idec, lembra que contratos individuais, firmados partir de 1999, só podem ser suspensos ou cancelados em duas situações: fraude do consumidor ou não pagamento por mais de 60 dias, consecutivos ou não, ao longo de um ano. Para os planos antigos, anteriores a 1999, não há norma específica. O consumidor deve observar o contrato e se há cláusulas abusivas. Já para os planos coletivos, a ANS estabelece apenas que o cancelamento só pode ocorrer na data de aniversário do contrato. No entendimento do Idec, as regras deveriam ser as mesmas dos individuais.
Condomínio em atraso
Os condôminos inadimplentes não devem ser expostos a cobrança vexatória, mas não estão impedidos de serem cobrados e de indicação no demonstrativo de contas, que segue com o boleto de pagamento, identificando as unidades em atraso. Nas reuniões de assembleia, o condômino em atraso fica impedido de votar. Desde 2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, os atrasos em cotas condominiais podem ser cobrados judicialmente, podendo levar ao leilão do imóvel para pagar a dívida. Porém, de acordo com a Súmula 478, do Superior Tribunal de Justiça, não se pode proibir o condômino e seus familiares de usarem áreas comuns em razão de inadimplência, mesmo que esteja previsto no regimento interno. Mas cabe observar que as atividades que representem custos adicionais, como aluguel de salão de festas, são passíveis de impedimento.
Fonte: O Globo