Justiça admite penhora de criptomoedas para pagamento de dívidas trabalhistas

Pelo menos seis pedidos foram encaminhados a corretoras, segundo a ABCripto

Credores de verbas trabalhistas passaram a olhar para um mercado que movimenta bilhões de reais por ano: o de criptomoedas. A Justiça do Trabalho passou a receber e admitir pedidos para localização e bloqueio desses ativos – como o Bitcoin. Pelo menos seis ofícios foram enviados por juízes de São Paulo e Campinas (SP) a corretoras, por meio da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), entidade que reúne cinco grandes empresas do país.

Essa via vem sendo adotada como uma das últimas alternativas para encontrar bens de devedores. Após tentativas frustradas de buscas de recursos em contas bancárias, imóveis ou automóveis por meio dos sistemas eletrônicos disponíveis aos juízes.

As corretoras de criptomoedas ainda não estão ao alcance do Sisbajud, o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário, que substituiu o Bacen Jud. Hoje, essa plataforma de penhora on-line consegue localizar recursos em contas bancárias, cooperativas de créditos ou investimentos em renda fixa ou variável, como ações. Mas cogita-se para o futuro o bloqueio de criptomoedas – mercado que movimentou mais de R$ 200 bilhões no ano passado.

Um dos pedidos para localização de criptomoedas foi aceito recentemente pela 6ª Câmara da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, com sede em Campinas. O processo tramita desde 2016. A dívida é de aproximadamente R$ 178 mil.

Os desembargadores, com base no voto do relator Jorge Souto Maior, determinaram o prosseguimento da execução por meio de envio de ofício à Receita Federal e à plataforma “bitcoin.com”, com o intuito de identificar se os sócios da empresa demandada possuem criptomoedas (processo nº 0010579-95.2016.5.15.0036). A decisão também determina a inclusão dos executados no sistema do SerasaJud.

Outro pedido foi aceito pelo juiz Carlos Alberto Monteiro da Fonseca, da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo, em um processo iniciado há quase 19 anos e ainda não quitado. O valor devido é de cerca de R$ 7,5 mil.

Após várias tentativas de penhora de bens ou valores, sem sucesso, o advogado que representa o trabalhador pediu que algumas corretoras fossem oficiadas para informarem a existência de criptomoedas em nome dos executados, o que foi aceito no dia 29 de junho (processo nº 0192700-88.2002.5.02.0054).

Em entrevista ao Valor, o juiz do trabalho Carlos Alberto Monteiro da Fonseca afirma que esse foi um dos primeiros pedidos que recebeu. “Como não se trata de dinheiro, acolhemos o pedido do autor. Caso a resposta seja positiva, e haja o bloqueio, uma das possibilidades é levar esse bem a leilão”, diz.

Ela lembra que, por meio do SisbaJud, o bloqueio e a transferência posterior dos recursos são imediatos. “No caso da criptomoeda, é necessário transformá-la em dinheiro”, afirma. Não há ainda no processo informação sobre a localização das criptomoedas.

O SisbaJud, segundo Dayse Starling Motta, juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – órgão que integra o Comitê Gestor do sistema -, ainda não alcança as moedas virtuais pelo fato de sua emissão não ser regulada e controlada pelo Banco Central e não serem operadas por instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional.

“Ainda não temos dados precisos do movimento financeiro envolvendo as moedas virtuais. Inclusive porque, pela sua própria natureza, elas não ficam depositadas nas exchanges, dificultando sua localização para fins de penhora”, diz a juíza, que não descarta a evolução do sistema para possibilitar o bloqueio de criptomoedas, quando depositadas em exchanges.

No ano passado, em meio à pandemia, foram congelados, por meio do SisbaJud, R$ 59 bilhões – mais de 60% do valor foi alcançado a partir de setembro, quando passou a funcionar o substituto do Bacen Jud. Em todo o ano de 2019, foram R$ 56 bilhões. Historicamente, o maior número de pedidos de bloqueio vem da Justiça do Trabalho.

De acordo com Rodrigo Monteiro, diretor-executivo da ABCripto, a entidade tem recebido essas determinações de localização e eventual bloqueio de criptomoedas e repassado às corretoras afiliadas. As associadas, acrescenta, têm toda capacidade de atender esses pedidos judiciais e de forma rápida.

A ABCripto reúne a Mercado Bitcoin, Foxbit, NovaDAX, bitBlue e Alter Bank, que representam 40,45% do mercado de criptomoedas. Também faz parte da entidade o Travelex Bank, que atua exclusivamente com câmbio.

Essas corretoras, afirma Monteiro, seguem regras de compliance e têm registrado o CPF de todos os investidores. “As corretoras filiadas à ABCripto estão, sem dúvida, prontas para cumprir esses pedidos”, diz o diretor-executivo. Nos seis encaminhados ao setor, afirma, ainda não foram localizados ativos.

A expectativa, segundo ele, é que o número de solicitações cresça. “À medida que os criptoativos se tornarem mais populares e atraírem mais investidores passando a integrar a carteira de grandes bancos ou fundos de investimento, é natural também que esses pedidos passem a ficar mais frequentes”, diz.

Os advogados de reclamantes e os tribunais, assim como os investidores, começam a ficar atentos às moedas digitais como forma de saldar débitos trabalhistas, afirma Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo Advogados. Para ele, a Instrução Normativa nº 1899, de 2019, editada pela Receita Federal, trouxe mais uma forma de localizar esses ativos, ao determinar que a corretora deve notificar operações com valores superiores a R$ 30 mil.

“Não imagino que as pessoas estejam investindo em criptomoedas para blindar patrimônio. Mas se isso passar a ser considerado, esses pedidos da Justiça do Trabalho poderão minar essa tentativa de blindagem”, diz o advogado.

Na Justiça comum, há também pedidos de penhora de criptomoedas, como Bitcoins. Mas nas poucas decisões existentes, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) admitiu a possibilidade sem, porém, determinar os bloqueios porque não havia nos pedidos dados concretos sobre a localização dos ativos.

Fonte: Valor Econômico