Endividamento das famílias é recorde, aponta CNC

Para entidade, avanço inflacionário diminuiu poder de compra

A parcela de famílias endividadas na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), bateu recorde pelo segundo mês consecutivo em agosto. Na pesquisa, a fatia de famílias nessa situação neste mês foi de 72,9%, acima de julho (71,4%), e de agosto do ano passado (67,5%), informou ontem a confederação.

O recente avanço inflacionário diminuiu poder de compra das famílias, que agora recorrem cada vez mais ao crédito para fechar orçamento, alertou Izis Ferreira, economista da CNC.

Ela não descarta que a Peic, iniciada em janeiro de 2010, continue a mostrar recordes em endividados.

Esse não foi o único recorde na pesquisa. Entre os endividados, 83,6% citaram em agosto o cartão de crédito como modalidade de dívida. Além de superior a julho (82,7%) também foi proporção recorde para essa resposta na Peic, informou ela. No caso das famílias com ganhos mensais inferiores a dez salários mínimos, a parcela é ainda maior, de 84,3%, também recorde para essa faixa de renda.

No caso dos mais pobres, a especialista notou que as famílias de menor renda são as que mais sofrem com inflação em alta e contam com poucas opções para pagar contas. Por isso, recorrem ao cartão de crédito, notou ela. “A inflação piorou muito [em agosto]”, comentou, observando que as altas de preço abrangem desde energia até alimentos. “Esse choque inflacionário, que parecia ser rápido, agora se mostra mais persistente e difundido”, notou ela.

Esse cenário ocorre em contexto em que o mercado de trabalho não apresentou, até o momento, sinais de recuperação robusta, pontuou ela. Como ritmo de abertura de vagas é menor do que demanda por trabalho, o desemprego cresce, e não há muitas fontes de renda originadas do trabalho, que pudessem fazer com que as famílias não recorressem tanto ao crédito para fechar orçamento, explicou ela.

Ao mesmo tempo, as vagas que surgem não têm impacto expressivo na melhora da renda do trabalhador, acrescentou. “Desde o início de 2020, a massa de rendimento vem caindo no Brasil” afirmou ela. “O mercado de trabalho ainda está fragilizado”, avaliou.

Para a especialista, o cenário atual de inflação alta, e sem retomada expressiva no emprego, deve estimular novas altas de endividamento. Ao mesmo tempo, o cenário sanitário da pandemia por covid-19, com novas variantes mais transmissíveis como a delta, confere incertezas em relação a novas medidas de restrição de circulação social – que podem afetar atividades intensivas em emprego, como comércio e serviços. Por isso, ela não descarta que a Peic continue a mostrar alta na parcela de famílias endividadas.

“O crescimento dos juros pode refrear endividamento”, disse, citando a recente trajetória de alta na taxa básica de juros (Selic), pelo Banco Central (BC) que, na prática, deixa o crédito mais caro e, por consequência, menos atrativo. “Mas o fato é que, enquanto a gente não tiver mercado de trabalho se recuperando, de forma mais consistente, e inflação ceder, dificilmente teremos queda nessa proporção de famílias endividadas”, afirmou. “Não enxergamos isso [recuo na parcela] no curto prazo”, completou.

Fonte: Valor Econômico