Cris Olivette
A crise econômica fez aumentar a inadimplência entre clientes de pequenas empresas de tecnologia. Conceder descontos, revisar contratos e criar novas formas de financiamento são algumas das saídas encontradas pelos empreendedores para reduzir os riscos.
Na Betalabs, de Luan Gabellini, os problemas começaram em 2015 e se acentuaram em 2016. “Isso mexe com a saúde financeira do negócio. O maior segredo, em nossa visão, é ter controle do fluxo de caixa. Quem tem esse controle consegue passar por este momento.”
Segundo ele, a empresa que não tem folga no fluxo de caixa se atrapalha. “Existem muitos mecanismos que podem ajudar, como software de gestão e sistemas de controle de recebíveis. A gestão do negócio tem de estar nas mãos do empresário para que possa se planejar.”
Para reduzir a inadimplência, ele criou uma área de cobrança dedicada. “Temos uma pessoa que só faz cobrança e liga todos os dias para quem está devendo. Ficar no pé do devedor aumenta a chance de receber. Também fizemos refinanciamentos e mudamos datas de vencimento. São estratégias pontuais para cada cliente.”
Gabellini diz que suspender o serviço e entrar com ação judicial é a última alternativa, porque abala o relacionamento. “Já fizemos, mas não é praxe. Tentamos mostrar ao cliente que estamos do lado dele e sabemos que a situação é grave. Por termos um forte controle podemos nos dar ao luxo de fazer essas ações e ajudar boa parte dos clientes.”
O empresário afirma que a economia está reagindo. “Já percebemos uma melhora. Hoje, as condições de negócio são melhores do que há alguns meses, porque o pior já passou”, afirma. “A hora é agora. Estamos fazendo campanhas mais agressivas e oferecendo descontos para incentivar o pessoal a fechar negócio, porque mesmo quem está com dinheiro está com o pé atrás.”
CEO e um dos fundadores da Just Digital, Rafael Cichini conta que tem feito diversas renegociações de parcelas e reduzido contratos. “Em alguns casos, renegociamos valores, diminuindo o time alocado no cliente. Todos, de alguma maneira, sofreram com corte ou postergação de investimento.”
Para atrair novas contas a Just, que desenvolve produtos digitais para negócios online, ampliou a área de atuação e passou a prestar serviços que têm tíquete médio mais baixo e servem como porta de entrada de novos clientes. “Também estamos ampliando as tecnologias com as quais trabalhamos, aproveitando a expertise do time. Ampliando o leque de serviços conseguimos vender mais dentro de nossos próprios clientes e prospectar de melhor maneira os novos.”
Cichini afirma que atravessar a crise tem sido um grande aprendizado. “Todos estão tendo de olhar para o negócio e rever o modelo. Também é preciso ser mais frio e pragmático em algumas decisões. É um aprendizado e uma oportunidade de crescimento. Sairemos deste período com estrutura enxuta, o que nos permitirá crescer de maneira mais organizada”, avalia.
Especializada na captura, estruturação e venda de informações, a BigData Corp., de Thoran Rodrigues, também tem sofrido com a inadimplência. “Quando identificamos que estávamos com problema para receber dos clientes, implantamos medidas para identificar os que atrasavam mais, menos e o s que não estavam atrasando, para saber o quanto isso estava prejudicando nossa empresa.”
Com o levantamento pronto, a empresa adotou medidas para minimizar o problema. “Passamos a oferecer desconto para quem paga até a data do vencimento. Inclusive, alteramos contratos para incluir cláusulas que privilegiam quem paga na data. Foi um movimento bem interessante porque todo mundo gosta de obter desconto.”
Rodrigues conta que quanto mais informações os clientes usam, mais eles pagam à BigData. “Começamos a mandar relatórios aos clientes, principalmente aos que estavam aumentando o uso, avisando que esse aumento teria reflexo no valor a ser pago. Muitas vezes o cliente não percebe que aumentou o uso. Vimos que quanto mais cedo falávamos com eles, mais fácil ficava a conversa. Essa ação foi bem importante”, diz.
Segundo ele, outra ação relevante foi ajustar a forma de pagamento quando a conta fica muito alta. “Criamos gatilhos relacionados ao valor da conta. Se ela for maior que X, automaticamente o cliente pode parcelar em duas vezes, desde que pague a primeira à vista e a segunda após 30 dias.”
Rodrigues diz que esse tipo de cobrança também foi acordada com o cliente e inserida no contrato. “Fizemos isso justamente para nos anteciparmos à negociação e tornar mais eficiente o recebimento.”
O empresário afirma que o modelo adotado pela BigData de cobrar apenas pela quantidade de informação utilizada sempre foi muito interessante para atrair os clientes.
“Se ele não usa, não paga nada. Inclusive, a nossa ferramenta é importante para embasar decisões em momentos de crise. Nossas informações podem apoiar os processos de venda, ou ajudar as empresas a identificarem possíveis clientes. Na crise todos querem vender mais, por isso aumentam o uso.”
Sócio-diretor da Nimbi, Carlos Henrique Campos conta que em 2015 a empresa concluiu várias mudanças que tinham sido iniciadas no ano anterior.
“O gatilho para as modificações foi o fato de termos percebido que estava havendo uma mudança no comportamento do mercado, o que serviu como um alerta da crise que se aproximava e de que precisávamos nos reinventar.”
A empresa que até então oferecia tecnologia para a área de compras de empresas muito grandes, passou a direcionar o produto para empresas com faturamento anual entre R$ 200 milhões e R$ 1 bilhão.
“O foco desse ressurgimento dentro de um cenário de crise teve como principal ponto remodelar nosso modelo de negócio. Antes, trabalhávamos com projetos com tempo de implantação e valores de investimentos maiores. Mudamos o foco para atrair empresas com faturamento menor e tempo de implementação praticamente instantâneo. Outra mudança foi a adoção da cobrança mensal e não mais de contratação por projeto”, conta.
Segundo ele, o modelo comercial é baseado em assinaturas, sem taxa de implementação e com diferentes pacotes de acordo com o porte e necessidades de cada empresa.
Campos afirma que a Nimbi não chegou a sofrer com inadimplência. “Para evitar esse tipo de problema tivemos de reajustar alguns projetos, com redução de escopo.”
O empresário afirma que com as mudanças também conseguiu dar uma grande virada no formato de vendas. “Reduzimos bastante o nosso ciclo de vendas e de prospecção. Só no primeiro semestre deste ano mantivemos contato com mais de mil potenciais clientes. Agora, estamos no processo de acelerar a conversão desses contatos.”
O diretor conta que toda essa movimentação provocou uma mudança cultural e de posicionamento. “Criamos um ambiente de inovação e uma nova cultura para atrair talentos. Por isso, até o final do ano iremos selecionar e investir R$ 10 milhões em quatro startups com atuação em áreas complementares ao nosso negócio.”
Segundo ele, o foco dessas startups deve ser o mercado B2B (transação comercial entre empresas feitas pela internet). A ideia da Nimbi é alavancar o modelo de negócios e aperfeiçoar a tecnologia utilizadas por elas. A empresa irá fornecer infraestrutura física e tecnológica, além de mentoria.
Campos conta que já tem contrato assinado com uma startup e outro em fase de assinatura. “Estamos com diversos negócios sendo avaliados. Até o final do ano esperamos ter os quatro contratos fechados. ”
. Após o fim do processo de desenvolvimento das startups, a Nimbi irá avaliar se incorpora o negócio à empresa ou se ela se desfaz da sociedade por meio de venda de participação.
Atualmente, a empresa tem em seu sistema 50 clientes que realizam transações de compra com 35 mil fornecedores. “Temos como meta encerrar o ano com 150 compradores dentro do sistema. ”
Fonte: Estadão