A linha de crédito de R$ 5 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a compra de ativos de empresas em recuperação judicial por companhias saudáveis despertou o interesse nas duas pontas: tanto de compradores como de vendedores. A tendência é que o novo programa do BNDES tenha demanda, embora ainda seja preciso esperar pelo detalhamento das normas, dizem advogados, especialistas em recuperação judicial e agentes financeiros do banco. A nova linha, chamada de Incentivo à Revitalização de Ativos Produtivos, entra em vigor a partir de hoje.
A Caixa, que opera como repassadora do BNDES, disse que ainda não recebeu consultas formais de interessados. “Somente solicitação de informações. Essas informações só serão possíveis [de serem prestadas] após a publicação da norma pelo BNDES”, afirmou. O BNDES disse que está se reunindo com as instituições que vão operar o programa para esclarecer normas e procedimentos. A linha terá custo de mercado e será válida até 31 de agosto de 2017. A rede bancária vai operar o programa nos casos de empresas em recuperação judicial, extrajudicial e falência.
“A linha foi uma grande jogada. Muitos players estratégicos que não têm acesso a capital porque o mercado de crédito está difícil terão uma linha para comprar ativos baratos e, com esses ativos, poderão voltar a crescer e a ganhar dinheiro”, disse Marcelo Gomes, diretor-executivo da consultoria Alvarez & Marsal. O universo de empresas que pode se beneficiar considera setores como agroindústria (açúcar e álcool), varejo, bens de consumo, autopeças e engenharia, incluindo grupos denunciados na operação Lava-Jato que estão se desfazendo de ativos.
De acordo com especialistas em reestruturação, a nova lei de falências (nº 11.101, de 2005) criou mecanismos para dar garantia aos compradores de ativos de empresas em recuperação judicial. O artigo 60 da lei garante que não haverá sucessão de dívidas para o comprador do ativo que for segregado na chamada Unidade Produtiva Isolada (UPI). A UPI “blinda” o investidor na compra do ativo da empresa em recuperação judicial de potenciais sucessões de dívidas.
“A proteção da lei já existia, o que faltava era uma linha de crédito específica para ajudar eventuais compradores. É algo inédito, e a tendência é que ajude a movimentar o segmento de empresas em recuperação judicial”, disse Sergio Savi, sócio do BMA Advogados. Na visão de especialistas nesses casos, a nova linha do BNDES deverá gerar demanda, sobretudo, para empresas de médio e grande porte. “O grande comprador de ativo na recuperação judicial é a companhia que atua no mesmo setor da empresa em dificuldades”, afirmou Gomes, da Alvarez & Marsal.
Gomes citou um exemplo de como a linha pode funcionar. Uma rede de varejo pode reunir um conjunto de ativos como lojas, estoques e centro de distribuição em um Estado, agrupá-los em uma UPI e vendê-los para um concorrente. Esse comprador se financia no BNDES e parte do dinheiro da venda vai para os credores da empresa em dificuldades. “Temos dois clientes com os quais estamos analisando a compra de UPI no Rio, que vieram nos perguntar sobre a linha do BNDES”, disse.
Ele reconheceu que o BNDES também pode se beneficiar da melhoria da capacidade de pagamento de seus credores, uma vez que há clientes ou empresas nas quais o banco é sócio em recuperação judicial, caso da Oi. Em nota, o BNDES afirmou: “Todos os credores e acionistas se beneficiam da celeridade da resolução de processos de recuperação judicial, inclusive o próprio banco, se for credor e/ou acionista.” O BNDES disse que a linha está disponível para todas as empresas em recuperação judicial que atendam às regras definidas no programa de revitalização, mesmo que o BNDES não seja credor ou acionista.
Savi, do BMA, afirmou que há fundos especializados em investimento em ativos de empresas em crise que têm interesse em investir em companhias em dificuldades. “Esses fundos podem comprar ativos mais baratos e ter um retorno maior com a operação ou a revenda desse ativo no futuro, embora o risco [do investimento] também seja maior.” Gomes, da Alvarez & Marsal, também se mostrou otimista: “A linha [do BNDES] é um oxigênio em um momento de falta de capital no mercado em geral.”
O plano de recuperação judicial da espanhola Abengoa prevê a venda, via UPIs, de participações societárias que detém na área de transmissão elétrica. A MMX Sudeste, de Eike Batista, também vê boas possibilidades de vender ativos com financiamento do BNDES. A MMX tem 2,5 mil hectares em Minas Gerais reunidas em UPIs para a venda. “A linha do BNDES pode nos beneficiar”, disse Ricardo Werneck, presidente da MMX. A Sete Brasil também entende que a linha do BNDES pode ser uma alternativa de funding a ser testada.
Eduardo Munhoz, do escritório E. Munhoz Advogados, disse que a ideia de fomentar o investimento em empresas em crise é positiva. “Não tem como a empresa sair da crise se não tiver financiamento novo.” Defendeu, porém, ajustes regulatórios na lei de falências e na regulação bancária para diminuir riscos para os investidores.
Fonte: Valor Econômico