Regulação mudará forças no crédito

A entrada em vigor de regras mais rígidas de capital nos próximos anos vai limitar a oferta de crédito de bancos públicos e de algumas instituições de médio porte. Esse movimento abrirá espaço para que os gigantes da banca privada retomem parte do espaço perdido nos últimos anos.

O cronograma estabelecido pelo Banco Central (BC) para implementação no Brasil das regras de Basileia 3 prevê que, até 1º de janeiro de 2019, os bancos precisarão cada vez mais de capital de seus acionistas para fazer frente aos riscos que correm.

Embora seja pequena a chance de que algum banco de grande porte não cumpra as exigências mínimas do regulador, elas terão efeito no espaço que alguns deles têm para crescer no crédito, afirmam analistas e banqueiros ouvidos pelo Valor.

Nas contas de um banqueiro, cuja instituição possui uma carteira grande de crédito ao consumo, a cada virada de ano, até 2019, o banco “perde” pelo menos 1 ponto percentual de capital para emprestar. Isso porque algumas operações passam a exigir mais capital do banco.

Ao mesmo tempo, o BC também eleva a exigência mínima de capital que os bancos precisam ter no balanço. Em 2019, o índice de capital principal, composto basicamente do patrimônio de acionistas, lucros retidos e dívidas perpétuas, pode chegar a 10,5% – a exigência hoje é de 5,125%.

Entre os grandes bancos, há uma significativa diferença entre a situação de capital das instituições privadas e das públicas. É algo que fica claro quando comparadas as simulações divulgadas pelas próprias instituições mostrando como estariam seus níveis de capital principal com as novas regras de Basileia totalmente em vigor.

De um lado, Itaú Unibanco e Bradesco teriam, respectivamente, 14,6% e 11,3% de capital principal nesse cenário, acima da exigência do BC. De outro, a Caixa Econômica Federal estaria com 7,8% nas novas regras, e o Banco do Brasil, com 8,6%. Os dados do Itaú se referem ao balanço do terceiro trimestre, divulgado nesta semana, enquanto as simulações dos demais bancos ainda consideram os resultados do segundo trimestre.

O Itaú Unibanco espera daqui em diante recuperar um pouco da participação de mercado perdida nos últimos anos, disse Eduardo Vassimon, vice-presidente-executivo da instituição. “Nesse ambiente de competição mais racional, e considerando nossa posição de capital, estamos bem posicionados para recuperar um pouco do market share que perdemos nos últimos anos”, afirmou, em teleconferência com analistas.

Para se ter ideia do tamanho da expansão recente da banca pública, em agosto de 2008 os bancos privados tinham 66% do mercado brasileiro de crédito e os públicos, 34%. Atualmente, essa divisão fica em 43,5% para os privados e 56,5% com os públicos. “A base de capital dos bancos públicos não permite que eles cresçam como nos últimos anos. É provável que os bancos privados retomem um pouco de participação de mercado”, afirma o analista Mario Pierry, do Bank of America.

Com sobra de recursos, o Itaú passou a ser questionado sobre o que fará com o excesso de capital. Em menos de um ano, gastou pouco mais de R$ 3,2 bilhões em aquisições, incluindo a participação do BMG no negócio que os dois bancos dividem em empréstimo consignado e a operação de varejo do Citibank no país.

Caso não faça novas aquisições, o Itaú pode realizar um programa mais agressivo de recompra de ações, segundo Marcelo Kopel, diretor de relações com investidores do banco. O executivo não descartou, inclusive, a possibilidade de o banco elevar temporariamente o dividendo ou fazer um pagamento extraordinário aos acionistas.

O Bradesco hoje seria, entre os privados, o banco em situação mais apertada de capital, com um índice de 11,3% se as novas normas de capital fossem implementadas neste momento. A situação atual é reflexo da aquisição do HSBC Brasil, que custou R$ 16 bilhões ao banco da Cidade de Deus. A expectativa, porém, é que a instituição não tenha dificuldades em melhorar esse índice nos próximos trimestres com a geração de resultados.

Apesar da maior restrição nos bancos públicos, analistas do UBS destacam a posição acima da média em capital de melhor qualidade das instituições brasileiras em relação a seus pares internacionais. Nas contas do banco suíço, as instituições financeiras brasileiras encerrarão 2016 com 13,8% de capital nível 1, ante 13%, em média, nos mercados emergentes e 13,3% globalmente.

Ainda assim, alguns executivos defendem a flexibilização de certas normas. “Em matéria de regulação bancária, o Brasil sempre se sentou na primeira fila. Ele não precisa ir para o ‘fundão’, mas podia pelo menos ir para a segunda fileira”, diz um banqueiro, cuja instituição chegará a 2019 dentro do que o Banco Central exigir de capital. “Só não vai ter espaço para crescer crédito sem uma capitalização”, diz.

Fonte: Valor Econômico