No caso das empresas abertas, a geração de caixa já se igualou às despesas financeiras
Em artigo anterior, explorei as razões para a depreciação do real em 2015 (60%, entre o início e o fim do ano). Um real mais depreciado em 2015 deveria ter estimulado a recuperação da economia, mas não foi o que ocorreu. As razões são muitas, e uma delas é um “efeito-balanço” (balance sheet effect) contracionista sobre as empresas não financeiras cuja reversão, ao lado da queda da taxa de juros, deverá estimular a lenta retomada do crescimento.
Se o Brasil fosse uma economia aberta ao comércio internacional e suas empresas fossem endividadas em reais, a ampliação da demanda vinda da depreciação cambial de 2015 deveria ter expandido o PIB. Mas o Brasil é uma economia muito fechada, e além de fortemente alavancadas, as empresas não financeiras têm elevada proporção de dívida atrelada ao dólar, fazendo com que, diante de uma depreciação, cresçam os gastos financeiros em proporção à sua geração de caixa (Ebitda). Dependendo da alavancagem e da proporção da dívida em dólares sem a devida cobertura de hedge, a depreciação pode contrair a atividade econômica, em vez de expandi-la.
Analisando as empresas não financeiras de capital aberto, o Relatório de Estabilidade Financeira do BC mostra que, a partir do pico, em 2010, sua geração de caixa (Ebitda) cai continuamente, e que a relação dívida líquida/Ebitda passa de 1,5% em 2010 para perto de 3,5% em 2015, elevando fortemente a alavancagem. O mesmo resultado é obtido pelo Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), que incluiu na amostra empresas fechadas e mostrou que, com a depreciação de 2015, o Ebitda tornou-se insuficiente para pagar as despesas financeiras. Para pagar as despesas financeiras, as empresas tinham de contrair novas dívidas, forçando-as a uma contração.
Em 2015, sem apoio no Congresso e com uma política econômica desastrada, crescia a percepção de risco de depreciação cambial, e uma parte das empresas (financeiras e não financeiras) se cobria do risco de câmbio através de uma operação de hedge, aumentando a demanda de dólares no mercado futuro, provocando a depreciação. Parte do caixa das empresas era trocada por câmbio futuro através de um swap, gerando o benefício de cobrir o risco de câmbio com a contrapartida da perda da receita de juros. A recessão se aprofundava, elevando os riscos, o que aumentava a demanda por hedge, acentuando a depreciação do real e aprofundando o “efeito balanço” contracionista, na forma de um círculo vicioso. Embora a posição de hedge das empresas tenha crescido, isso não foi suficiente para impedir o forte aumento das despesas financeiras, como mostram os dados do Cemec.
Felizmente, em 2016 o quadro começou a se inverter, e pelo menos no caso das empresas abertas, a geração de caixa já se igualou às despesas financeiras. A partir deste ponto, é grande a probabilidade de que tenhamos ingressado em um ciclo na direção contrária.
Há duas forças que deverão recolocar a economia na rota do crescimento. A primeira vem do esforço do governo no ajuste fiscal, que se iniciou com a aprovação do teto para os gastos primários, e deverá prosseguir com a aprovação da reforma da previdência com um formato próximo ao do projeto original. Se isso ocorrer, assistiremos a mais um desmonte das posições de hedge cambial, acentuando o movimento que já vinha ocorrendo ao longo de 2016. A segunda força vem da queda da taxa de juros permitida pela forte desinflação. Juros reais mais baixos estimulam a recuperação, induzindo um aumento na geração de caixa, e um quadro de endividamento elevado com alta proporção da dívida em dólares e apreciação do real leva à queda das despesas financeiras, invertendo o “efeito balanço”.
O risco em relação a este quadro vem inteiramente do lado político. Se houver frustração na aprovação da reforma da Previdência, crescerão os riscos, levando a um aumento na demanda de dólares no mercado futuro para a realização de hedge, o que deprecia o real e reduz a intensidade do ciclo de redução dos juros. Não digo que a intensidade seria a mesma, mas certamente isso nos aproximaria do ocorrido em 2015
*Affonso Celso Pastore é ex-presidente do BC e sócio da A.C Pastore & Associados
Fonte: Estadão