O mercado de crédito começa a sair do fundo do poço, com um leve crescimento do volume de operações em março e uma primeira queda nos juros e nos spreads bancários. A incipiente reação é reflexo da distensão monetária promovida pelo Banco Central (BC) desde fins de 2016, da reavaliação dos riscos pelas instituições financeiras num cenário de estabilização da atividade econômica e da desalavancagem e fortalecimento dos índices de confiança de famílias.
Segundo dados divulgados ontem pelo BC, o estoque dos empréstimos e financiamentos bancários da economia cresceu 0,2% em março, ante fevereiro, chegando a R$ 3,076 trilhões. O crédito ainda sofre uma queda no período de 12 meses, de 2,7%, mas a retração é um pouco mais suave do que o recuo de 3,5% em período semelhante até fevereiro.
O BC chamou a atenção para o fato de que os juros médios nas operações com crédito livre, que refletem mais diretamente os movimentos na taxa básica de juros da economia, recuaram de 53,4% ao ano para 52,5% ao ano. Os spreads bancários, que representam a diferença entre os custos de captação dos bancos e os juros cobrados dos clientes, também recuaram, de 42,7 pontos percentuais para 42,3 pontos.
“Nossa expectativa é que esse movimento de queda continue nos próximos meses e que venha a se intensificar, em linha com o ciclo de distensão da política monetária”, disse o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel.
Ainda assim, tanto a retomada na expansão do crédito quanto a queda dos juros ocorrem de forma ainda frágil e desigual. A leve alta no volume de crédito deve-se apenas ao desempenho das operações com pessoas físicas, que cresceram 0,6% em março, enquanto as operações com empresas tiveram retração de 0,3%.
O elo mais fraco do mercado de crédito continua a ser os empréstimos a empresas, com recuo de 8,5% nos 12 meses até março. Maciel nota, porém, que a contração desse mercado vem ocorrendo a taxas cada vez menores. Em janeiro, a queda era de 10,4% e, em fevereiro, de 9,7%.
Os juros médios cobrados nas operações de crédito direcionado subiram, de 9,9% ao ano para 10,5% entre fevereiro e março, assim como os spreads, que passaram de 4,1 pontos a 4,3 pontos. O BC explicou que isso se deveu apenas a fatores estatísticos. Em março houve mais dias úteis que fevereiro, e isso fez com que a taxa referencial (TR) passasse de 0,23% para 1,13% entre um mês e outro, puxando os juros do crédito imobiliário. Também cresceram os repasses de empréstimos do BNDES, que têm juros mais altos do que as operações diretas da instituição.
Excetuando o crédito direcionado, a queda dos juros e dos spreads bancários é bastante disseminada entre as linhas de crédito. No caso das pessoas jurídicas, ocorreu em 16 dos 20 segmentos, incluindo capital de giro, que responde por cerca de metade do estoque de crédito para empresas. Para as pessoas físicas, houve queda nas taxas em 9 dos 11 segmentos de mercado que compõem as estatísticas do BC. As exceções são o cheque especial e o rotativo do cartão.
No caso dos cartões de crédito, a previsão do BC é que, a partir de abril, as taxas comecem a sofrer uma sensível queda, com a entrada em vigor da regra que determina que empréstimos no crédito rotativo sejam automaticamente transformados em crédito parcelado depois de 30 dias. “Os primeiros dados, até o dia 7 de abril, mostram queda”, disse Maciel, sem abrir os percentuais.
Alguns analistas privados concordam com a visão do BC de que os juros vão cair e que o mercado dá indícios de melhora. “Esperamos que as condições de crédito permanecerão rígidas, mas começarão a relaxar gradualmente na margem, apoiadas pelos sinais iniciais de estabilização da economia e pela antecipação do ciclo de distensão monetária pelo Banco Central”, afirma o Goldman Sachs em nota assinada pelo seu economista-chefe, Alberto Ramos. Ele ressalta, porém, que a demanda e oferta de crédito devem seguir limitadas devido à fraqueza do mercado de trabalho e ao alto grau de endividamento das famílias.
Já o BC vê progressos na desalavancagem da economia. Em apresentação a investidores em Washington há alguns dias, o diretor de Assuntos Internacionais do BC, Tiago Berriel, disse que “o processo de desalavancagem está bem avançado”. “É possível que esteja ocorrendo de forma mais rápida para as famílias do que para empresas”, reforçou Maciel. Ele nota que os índices de confiança dos consumidores também subiram mais rápido do que a confiança das empresas.
O comprometimento de renda das famílias com serviços das dívidas, exceto financiamentos imobiliários, chegou a 18,7% em fevereiro, menor percentual desde dezembro de 2010. A queda do comprometimento de renda se concentrou sobretudo na amortização de débitos, enquanto os compromissos com juros se mantiveram estáveis. Isso significa que, à medida que os juros bancários caírem, o comprometimento de renda tenderá a ter novas reduções.
Normalmente, os juros bancários levam cerca de seis meses para responder ao ciclo de afrouxamento monetário, mas parte dos especialistas temiam que a resposta poderia não ocorrer, devido aos altos níveis de incerteza e os receios dos bancos de sofrerem perdas nos empréstimos.
A taxa de inadimplência vem oscilando no intervalo entre 3,7% e 3,8% dos empréstimos desde agosto de 2016. No ano passado, os bancos públicos aumentaram de 4,3% para 5,3% o seu nível de provisões, enquanto que os bancos privados nacionais aumentaram as provisões de 8,2% para 9,1%. No começo deste ano, os bancos assumiram uma posição menos defensiva. Inicialmente, as provisões se estabilizaram no primeiro bimestre, e tiveram uma leve queda em março, de 0,1 ponto percentual.
Com todos os sinais de melhora, o mercado de crédito segue bastante frágil. O BC projeta para 2017 uma alta de apenas 2% do volume de crédito, bem abaixo da inflação esperada para o ano pelo mercado, de 4,04%. O crédito voltou a cair na sua proporção com o Produto Interno Bruto (PIB), passando de 48,7% em fevereiro para 48,6% em março.
O BC prevê uma relação de 48% do PIB para dezembro de 2017. Caso se confirme, será uma queda de 1,6 ponto do PIB no ano, mantendo condições financeiras restritivas na economia.
Fonte: Valor Econômico