Desemprego e endividamento das famílias devem travar poder de consumo até o fim do ano
A estabilidade da renda proporcionada pela queda na inflação dos últimos meses ainda não deve se transformar em maior poder de compra para os consumidores. Isso porque a deterioração do mercado de trabalho aliada a um forte endividamento das famílias deve travar o consumo até o fim de 2017, afirmam especialistas consultados pelo Estado.
A intensidade e a duração da recessão econômica atual, que levou o País a atingir em março número recorde de 14,2 milhões de desempregados, fez com que a prioridade das pessoas fosse olhar com lupa o seu orçamento, de modo a quitar débitos atrasados e cortar qualquer gasto que fosse desnecessário.
A crise provocou uma grande mudança de comportamento dos consumidores, principalmente das classes C, D e E, afirma Maurício Prado, diretor executivo da consultoria Plano CDE. Essas famílias, que no passado recente se acostumaram a um padrão de vida mais confortável, agora buscam economizar cada centavo, escolhendo produtos de marcas mais baratas nos supermercados, reduzindo consideravelmente as atividades de lazer e fazendo investimentos de longo prazo como planos de saúde e educação privada.
“Essas pessoas estão assumindo que sua condição financeira piorou, e estão mudando seus hábitos. Esses consumidores estão mais cautelosos com suas finanças. Percebe-se uma mudança na maneira de olhar seus gastos e controlá-los”, afirma Prado. “Isso tem um aspecto positivo. Quando a crise acabar, pode acontecer de as famílias de menor renda terem uma poupança mais bem equilibrada”.
De fato, cautela é a palavra que define os consumidores neste momento, na medida em que menos pessoas se arriscam a se comprometer com compras de maior proporção, afirma a pesquisadora Maria Andréia Lameiras, do Ipea. Segunda ela, a decisão de tomar novos empréstimos está diretamente ligada à perspectiva de melhora no mercado de trabalho.
Como a recuperação dos salários ainda está em um estágio muito inicial, explica Maria Andréia, qualquer renda extra acaba sendo destinada para pagamento de contas ou mesmo na compra de itens básicos. “Ainda estamos saindo de uma recessão, e a contração da demanda está muito forte. As pessoas continuam desconfiadas com a estabilidade da economia”.
Na avaliação da especialista, a partir do momento em que os consumidores perceberem que a retomada da economia é contínua e sustentável, voltará o movimento de tomada de crédito e retorno a bens e serviços que foram deixados de lado durante a restrição orçamentária.
Na medida em que a prioridade das famílias neste momento é de se ‘desalavancar’, bens duráveis e de alto valor devem continuar a perder peso na cesta de produtos consumidos pelos clientes de menor renda, avalia André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Quando a situação econômica começa a apertar, explica Braz, o medo de ser demitido do emprego contamina a confiança do consumidor, que deixa de comprometer sua renda com pagamentos longos e parcelados. Como as maiores vítimas do desemprego foram justamente os mais pobres, o pesquisador minimiza a alta de 2,33% da renda média real nos últimos 12 meses.
“A retomada do consumo vai começar justamente pelas classes mais baixas. No segundo semestre podemos esperar um início de retomada do emprego, o que, lentamente, deve começar a estimular outra vez a economia”, afirma.
Endividamento. A redução da taxa básica de juros pelo Banco Central a partir de agosto pode ajudar a destravar os consumidores, segundo o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. Para ele, o processo será gradual e se estenderá ao longo de todo o ano, retardando a recuperação da economia.
Por ser a primeira grande crise creditícia que o País enfrenta, com cerca de 60 milhões de pessoas inadimplentes, o consumo demorará a reagir. “A recuperação da demanda virá quando a questão do alto endividamento estiver melhor equacionada. Os juros mais baixos permitem que as pessoas repactuem suas dívidas pós-fixadas a preços menores. Vai demorar para voltarmos a ter um endividamento para consumo. Hoje, o foco é resolver os problemas antigos”, afirma Rabi.
Nem mesmo datas importantes do varejo têm potencial de puxar o consumo. A Serasa estima crescimento de apenas 1% para o setor neste ano, puxado principalmente pelos itens não financiáveis. Para o economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo, o prolongamento da crise afeta a confiança do consumidor. “Há um temor de as pessoas tentarem dar um salto e frustrarem suas expectativas outra vez”.
Fonte: Estadão