Com renda menor, consumidor quer produto mais simples

Em momento de recessão e desemprego alto, o consumidor passou a fazer escolhas e a buscar a melhor relação custo-benefício, diz consultoria

São Paulo – Na semana passada, Joelma Quioratto, de 20 anos, casada e sem filhos, teve de ir às compras. Apesar de ela e o marido estarem empregados e somarem renda de R$ 2 mil por mês, Joelma estava cautelosa com a situação financeira e não pretendia gastar. Mas o refrigerador quebrou: parou de gelar e estava estragando os alimentos. “Só comprei uma geladeira nova porque a antiga chegou ao limite, não tinha conserto.”

Na troca, Joelma privilegiou o preço. Ela gostaria de levar para casa um refrigerador de degelo automático (frost free), como a velha geladeira. Porém, acabou comprando uma geladeira de duas portas, mas de degelo manual. “Queria uma frost free, mas o valor está um pouco fora do orçamento. Então, optei por levar uma mais em conta, com as mesmas funções e um freezer que atende às minhas necessidades”, explicou.

Pela geladeira nova frost free ela teria de desembolsar R$ 2.699. Já o refrigerador com degelo manual saiu por R$ 2.199. Foi parcelado em 12 vezes, com prestações de R$ 183,25. “Optei pela prestação menor que cabe no meu orçamento.”

A racionalidade de Joelma na hora de ir às compras num cenário econômico ainda incerto já apareceu nos resultados de vendas do varejo. Pesquisa da consultoria GFK mostra que, no primeiro semestre, houve crescimento nas vendas do varejo de 15,9% no número de lavadoras semiautomáticas, popularmente conhecidas como tanquinhos, e um recuo de 0,8% nas lavadoras automáticas na comparação com o primeiro semestre de 2016.

No mesmo período, as quantidades vendidas de refrigeradores de duas portas com degelo manual aumentaram 3,6% e as de refrigeradores, também de duas portas, mas frost free, caíram 3%. A consultoria monitora 90% das vendas no varejo de eletrodomésticos ao consumidor final, incluindo o comércio eletrônico.

Tendência. Para Henrique Mascarenhas, diretor de indústrias de tecnologia da consultoria GFK, os resultados não apontam para uma tendência de “volta ao tanquinho” por causa da perda de renda que houve em razão da crise. Na opinião dele, não se trata de uma tendência, porque não é algo estrutural, mas conjuntural.

“No momento em que estamos vivendo, com dois anos e meio de recessão e desemprego alto, o consumidor passou a fazer escolhas e a buscar a melhor relação custo-benefício”, diz.

Paulo Miri, presidente de eletrodomésticos Brasil da Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, diz que percebeu o movimento no mercado. A fatia de refrigeradores com degelo manual nas vendas totais de mercado, que era de 57% em 2012, recuou para 37% em 2014 e hoje está em 38%. “Não acredito que a participação da geladeira de degelo manual no mercado total volte para o patamar anterior, de 50%.”

De toda forma, ele destaca que a retração maior nas vendas no mercado de geladeiras frost free ocorreu na região Nordeste por causa da queda no emprego e na renda.

Já a Arno, que fabrica tanquinhos, informa “que sentiu um aumento nas vendas de lavadoras semiautomáticas (tanquinhos), principalmente nas regiões Norte e Nordeste”, segundo Julia Castro, gerente de marketing. Hoje a fabricante tem três tipos de tanquinhos e pretende lançar novos modelos nos próximos meses.

Aperto. Com o bolso mais apertado, o brasileiro optou pela compra de veículos usados e por consertar o que tem na garagem. De janeiro a julho, a venda de usados, incluindo motos, cresceu 7,9%, enquanto a de novos caiu 4,9%, segundo a Fenauto, que representa as lojas de veículos usados.

Oficinas e lojas de autopeças também ganharam com a crise. O motorista Francisco Feitosa, de 48 anos, decidiu consertar o Voyage ano 2012 que usa para trabalhar. Foi preciso trocar a junta homocinética, pela qual pagou R$ 400, em três parcelas. A instalação ficou em R$ 150. “Hoje não tenho condições de comprar o carro zero que quero, um Corolla, que sai por R$ 80 mil.” Sua decisão foi captada pelas oficinas. No primeiro semestre, o movimento aumentou 20%, após já ter crescido 20% no ano anterior.

Lojas de autopeças também não reclamam. A rede Mercado Car registrou alta de 25% no faturamento só na unidade da Barra Funda, em São Paulo, no primeiro semestre, segundo o gerente José Augusto Martins. Na época em que o mercado de novos estava aquecido, o avanço era de 15% a 20%. A varejista, com seis lojas no Estado de São Paulo, vai inaugurar mais uma em Santo André, onde funcionava uma revenda de carros novos.

Fonte: Exame.com