O Ministério da Fazenda pretende alterar mais da metade da Lei de Recuperações e Falência, que completou 12 anos em junho. Uma das grandes novidades da proposta que será encaminhada à Câmara dos Deputados é a do financiador que adiantar recursos para a empresa em recuperação judicial ter um tratamento diferenciado, sem ter que se submeter à fila de credores. Hoje, eles são os primeiros a receber apenas se a empresa quebrar.
A proposta também inverte o papel dos credores na recuperação. Eles terão mais poderes. Segundo o Ministério da Fazenda, estes serão “empoderados” e poderão inclusive propor o plano de recuperação judicial. A norma atual concede esse direito apenas aos devedores.
Após um período de silêncio sobre o anteprojeto, o Ministério da Fazenda afirma que divulgará em breve o texto. O objetivo do governo é elevar a taxa de recuperação das empresas ao patamar de países como a Alemanha e Austrália, onde os percentuais variam de 60% a 70%. A média brasileira é de 23%.
“Com juízes preparados para aplicar as novas regras propostas pelo governo, o número de empresas que efetivamente vão se reestruturar por meio da recuperação judicial será muito maior”, afirma o juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, que participou do grupo de estudos para a reforma da lei. O magistrado comemora especialmente a inclusão, no projeto de lei, de dispositivo que pretende estimular a criação de 60 a 90 varas especializadas no país. Hoje, são apenas 13.
Pelo anteprojeto da Fazenda, as empresas ganharão mais prazo para quitar os débitos tributários. Poderão ser parcelados, sob condições específicas, em até 120 vezes. No caso de micro e pequenas empresas, em até 144 prestações mensais. O limite atual é de 84 parcelas. O que mais chama a atenção de especialistas, porém, é que esse parcelamento poderá ser pago com prejuízo fiscal de Imposto de Renda (IR) e base negativa de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). “Esse é um dos principais fôlegos para as empresas com dívidas com o Fisco. E, com a medida, ganham credor, devedor e Fisco”, afirma um dos técnicos da Fazenda.
Contudo, se a empresa deixar de pagar o parcelamento, por exemplo, a Fazenda confirma que o Fisco – federal, estadual ou municipal – poderá pedir a falência da empresa em recuperação judicial. Segundo o corpo técnico do órgão, justamente por ser um dos grandes detentores de créditos das empresas em recuperação judicial, a participação no Fisco na falência vai tornar a recuperação judicial mais eficaz. “O Fisco enxerga se há esvaziamento de patrimônio, dando maior transparência para o processo e empoderando todos os credores”, diz um dos técnicos do órgão.
A base negativa e o prejuízo fiscal também poderão ser usadas para quitar o IR e a CSLL que incidem sobre o ganho de capital na venda de ativos das empresas falidas. A Fazenda destaca que, em ambos os casos, será possível usar 100% desses valores, pois a tradicional trava de 30% será afastada nessas situações.
Já para o caso de insolvência transnacional, como os de multinacionais brasileiras listadas na bolsa de Nova York, o Brasil passaria a seguir as regras da Lei-Modelo da Uncitral, sobre Procedimentos de Insolvência com Conexão Internacional. Assim, haverá reciprocidade entre as medidas tomadas pelo juiz no Brasil e no exterior. Atingirá empresas em recuperação aqui, mas com filiais fora.
Para a advogada especialista Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados, a medida é fundamental. “Hoje temos muitas empresas globais e usamos por analogia as regras da Uncitral, mas não há nada na nossa lei a respeito”, afirma. Segundo a advogada, essa inclusão na lei gerará menos discussões judiciais. “A Oi entrou em recuperação judicial no Brasil, por exemplo, mas a empresa na Holanda questiona as decisões judiciais brasileiras. Haverá mais segurança jurídica”, diz.
Além dessa adaptação às regras globais, o anteprojeto propõe dois importantes conceitos jurídicos, que devem atrair investidores. Estará descrito em lei o que é Unidade Produtiva Isolada (UPI) e o que é grupo econômico. Hoje a venda de UPI não implica em sucessão de passivos e obrigações. Porém, como a lei não define o que é UPI, fica a critério do juiz interpretar cada situação. O mesmo vale em relação a grupo econômico.
Os créditos cedidos em alienação ou cessão fiduciária vão continuar fora do processo de recuperação judicial. “Porque hoje, nessa fase de recuperação econômica, o grande motor da economia é o crédito”, afirma o corpo técnico da Fazenda. “O que se deseja é que o devedor tome empréstimo a menor taxa possível.”
Fonte: Valor Econômico