Embora as “fintechs” sejam frequentemente apontadas como um desafio para os bancos tradicionais, é nas grandes empresas de tecnologia que reside a maior ameaça a eles, mostra estudo da consultoria Bain & Company. De acordo com um levantamento, 89% dos clientes de bancos pretendem experimentar um produto financeiro de uma companhia de tecnologia. No entanto, 87% disseram que estariam abertos a provar uma oferta de uma gigante do setor, como Google, Apple, Amazon e Facebook. A adesão a produtos de uma novata seria bem menor, de 65%.
A maior propensão a usar serviços financeiros de empresas de tecnologia renomadas está na confiança do público – o que falta em uma startup -, já que os produtos a serem oferecidos podem ser bastante semelhantes. “Há dois anos todo mundo dizia que as fintechs iam tirar mercado dos bancos, mas as pessoas não estão saindo das instituições tradicionais para virar clientes dessas startups tão rápido quanto se imaginava”, afirma Dirk Vater, chefe global do setor bancário da Bain & Company.
O setor financeiro, ressalta Vater, é um negócio que exige muita confiança. “Você não dá seu dinheiro a uma fintech formada por estudantes e criada há 12 meses”, diz. “Mas você já conhece o Facebook, Apple, Google. Confia nessas grandes empresas”, completa.
Essa tendência, mostra o estudo, é maior entre países emergentes: na amostra da Bain, supera 80% na Índia, China e Brasil e não passa de 40% na Bélgica, Suíça e França. “São países mais jovens, e a demografia tem uma influência nisso”, diz Silvio Marote, sócio da consultoria no país. No caso do Brasil, 89% dos clientes de bancos com idade entre 18 e 34 anos disseram que experimentariam um serviço financeiro oferecido por uma companhia de tecnologia da qual já são usuários. A adesão seria de 87% na faixa de 35 a 54 anos e cairia para 73% entre os maiores de 55 anos.
Poder aquisitivo é outro fator de influência: 70% dos clientes de alta renda dos bancos disseram que vão experimentar produtos financeiros de uma empresa de tecnologia em 2018. Num horizonte de cinco anos, a fatia dispara e chega a 93%. Isso representa um desafio importante para as instituições financeiras, uma vez que esse segmento de clientes é justamente o mais rentável e o que mais serviços consome, lembra Marote.
Até agora, as gigantes de tecnologia têm feito incursões limitadas no setor financeiro. As iniciativas se referem sobretudo a modelos de pagamentos móveis e carteiras digitais, como Apple Pay e Android Pay. Nenhuma delas parece disposta a encarar os custos e a regulação pesada que recaem sobre bancos.
Para Vater, contudo, esse movimento já representa um risco para os bancos do varejo, uma vez que a receita vinda de pagamentos representa de 50% a 60% do total. O executivo afirma que, apesar de em muitos países o pagamento ainda ser concentrado em dinheiro, as transações digitais tomarão grande parte do mercado.
“Eu diria que uma grande parcela da população usará carteiras virtuais. Por exemplo, na Suécia apenas 5% das transações são feitas em dinheiro. Todo o resto já é digital, incluindo cartões. Nesses países, em dez anos, tudo deve ser digital”, afirma. Mesmo em países em que o dinheiro ainda domina, como é caso da Alemanha, sua terra natal, destaca Vater, as carteiras virtuais vão tomar boa parte do mercado.
O especialista ressalta que os serviços de pagamento são a chave para essas empresas de tecnologia obter dados sobre os clientes, seus hábitos, o que consomem, para oferecer novos produtos. Ele não acredita, porém, que esses novos participantes se limitarão a esse tipo de serviço, mas devem passar a oferecer soluções de crédito e até produtos de investimento, o que fará deles um risco ainda maior para os bancos.
A gigante de comércio eletrônico Alibaba, por exemplo, se valeu de sua base de consumidores para distribuir fundos “money market” e hoje reúne US$ 185 bilhões em ativos na China.
Um executivo de um grande banco do país confirma que a atuação das companhias renomadas de tecnologia pode impor um desafio maior que as fintechs, já que elas têm uma rede de distribuição de grande escala. No entanto, ele não vê essas empresas interessadas em se submeter à regulamentação do setor financeiro, ao menos por enquanto.
Os dados da Bain fazem parte de um levantamento mais amplo feito pela consultoria sobre satisfação de clientes de bancos de varejo. O estudo usa a metodologia conhecida pela sigla em inglês NPS (“Net Promoter Score”) para medir o engajamento dos clientes a uma determinada empresa e a disposição deles em promover sua marca.
Uma das constatações sobre o mercado brasileiro, segundo Marote, é que os clientes não veem muita diferença entre os bancos com melhor e pior avaliação. Sem grande diferenciação, a resistência a mudar de instituição financeira ou experimentar serviços de fintechs pode não ser tão grande. A Bain não revela o desempenho de cada banco.
O conceito de NPS tem sido usado por diversas instituições financeiras no país. É o caso, por exemplo, do Santander. A metodologia tem servido de referência para as mudanças que o banco tem feito no relacionamento com clientes.
Na pesquisa, a Bain ouviu 133 mil clientes de bancos de 22 mercados das Américas, Europa, Ásia e Oceania. No Brasil, foram entrevistados 5 mil participantes.
Fonte: Valor Econômico