Os mercados financeiros no Brasil começaram a segunda semana do ano ainda em tom positivo. O real segue próximo às máximas em um mês, enquanto uma medida de risco no mercado de juros caiu ao menor patamar desde novembro. O Ibovespa continua a desafiar previsões céticas e se aproximou mais do inédito patamar de 80 mil pontos. O bom desempenho das praças locais se apoia em expectativas quanto à eleição presidencial e também no exterior, onde ativos de risco mantêm a trajetória ascendente que marcou o ano passado. Mas analistas alertam que muito das boas notícias já estão nos preços, o que aumenta riscos de um “desconto” nos mercados no caso de frustrações.
O grande ponto de atenção do mercado atualmente – e no qual agentes financeiros têm se apoiado para manter o bom humor – é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que pode impedir o petista de concorrer à eleição presidencial de 2018. Sem Lula, o mercado aposta na vitória de um candidato de centro-direita, mais favorável à continuação de medidas de ajuste macroeconômico, como a reforma da Previdência.
A confiança nesse cenário ajuda a explicar o começo de ano de recordes na bolsa brasileira. Com apenas cinco sessões até agora, o Ibovespa já subiu 3,90%. Ontem, cravou a 11ª valorização consecutiva, ao avançar 0,39%, que o levou a alcançar os 79.378 pontos, novo pico histórico. A performance do dia começou mais fraca, com o mercado testando um movimento de realização de lucros depois da escalada da primeira semana de 2018. Ao longo do pregão, porém, as bolsas americanas passaram a registrar pequenas altas, colaborando para que o desempenho do mercado local se recuperasse na reta final dos negócios. Em Wall Street, o índice S&P 500 subiu 0,17%, aos 2.747,71 pontos, e o Nasdaq avançou 0,29%, aos 7.157,38 pontos, ambos terminando a sessão em novas marcas inéditas.
Entre 47 índices globais de ações, o desempenho do Ibovespa neste ano é o oitavo melhor. Analistas pontuam que a melhora das expectativas para a atividade econômica está por trás da performance destacada do mercado acionário local, mas avaliam que a perspectiva de um resultado eleitoral que impulsione a agenda de reformas tem trazido fôlego adicional para a bolsa.
No mesmo período, o real ganha 2,39%, segunda maior valorização, atrás apenas do peso colombiano. Ontem, o dólar fechou em leve alta de 0,11%, para R$ 3,2362. Ainda assim, a moeda brasileira foi uma das de melhor performance no dia.
O mercado de renda fixa também tem respondido às expectativas em relação ao julgamento do ex-presidente Lula. A diferença entre as taxas de juros de longo e curto prazos – a “inclinação da curva”, no jargão de operadores – caiu ontem ao menor nível desde novembro. Isso revela que o mercado tem pedido menos prêmio de risco para assumir posições de longo prazo, evidência de maior confiança no futuro. O spread entre os juros com vencimento em janeiro de 2023 e janeiro de 2019, por exemplo, recuou a 204,5 pontos-base, mínima desde 9 de novembro. A queda no ano é de 21,5 pontos-base.
A magnitude da melhora do mercado, porém, coloca em xeque o espaço para mais altas dos ativos calcadas apenas em uma eventual confirmação da condenação do ex-presidente. Na avaliação do gestor de renda variável do Banco Fator, Daniel Utsch, o mercado já incorporou uma probabilidade entre 60% e 70% de Lula ser condenado pelo TRF-4 e tornar-se inelegível. Isso significa, portanto, que uma frustração sobre esse tema abriria espaço para forte correção dos preços. “Uma condenação com um placar não unânime manteria incertezas no radar, abrindo espaço para um novo ‘sell-off'”, afirma o gestor.
Alguns analistas ponderam que a recuperação dos preços neste começo de ano está também relacionada a fatores técnicos, com uma recomposição de posições desfeitas no fim do ano passado – movimento que visou salvaguardar lucros obtidos em 2017.
“Do ponto de vista apenas do julgamento do ex-presidente Lula, o mercado tem ainda algum ‘upside’ [espaço para alta], mas acredito que agora tenha mais ‘downside’ [potencial de baixa]”, diz Rogério Braga, sócio-diretor da Quantitas e responsável pela gestão de renda fixa e multimercados da casa, também citando que os investidores já precificaram em “boa parte” o impedimento de Lula para concorrer às eleições.
No entanto, os desdobramentos do julgamento do ex-presidente Lula não são o único ponto de atenção do mercado. Os últimos dias têm sido marcados também pelo debate sobre o fim da chamada “regra de ouro” – dispositivo que impede que o governo emita dívida para financiar gastos correntes.
Até o momento, os debates não chegaram a despertar estresse nos ativos, uma vez que pouco se acredita que uma eventual flexibilização da regra refletiria certo descaso fiscal por parte do governo. Em coletiva ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que o governo pretende “assegurar constitucionalmente” que a norma seja cumprida.
Marcos Mollica, sócio-gestor na Rosenberg Investimentos, ressalva ser preciso avaliar a proposta. “Arrancar a regra sem contrapartida seria péssimo”, resume o especialista, destacando a importância da medida em termos de disciplina fiscal.
“O julgamento vai fazer muito preço independentemente do resultado”, diz Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. “Qualquer ameaça à participação de Lula na eleição deste ano diminui a incerteza sobre a continuidade da política econômica, que é o que tem sustentado o nosso mercado.”
Fonte: Valor Econômico