A recuperação de crédito no Brasil em processos de reestruturação de dívida fica abaixo da média mundial e em muitos casos o credor nem consegue reaver o valor investido. Os motivos vão desde o longo processo de recuperação judicial, que na maioria dos casos ultrapassa o tempo determinado pela lei, até a dificuldade para as companhias conseguirem recursos novos para manter a operação, além da insegurança jurídica que dificulta a negociação de ativos (“distressed assets”) com investidores.
Segundo levantamento da S&P Global, embora as taxas de recuperação de crédito sejam aceitáveis se comparadas às globais, o índice verificado recentemente no Brasil tem sido significativamente mais fraco do que o registrado no início dos anos 2000. O estudo abrangeu 16 defaults corporativos em 44 instrumentos de 13 diferentes emissores.
No caso de bônus sem garantia emitidos no exterior, que representam o maior volume dos papéis analisados pela S&P, a taxa média de recuperação nos últimos 20 anos foi de 46%. No entanto, a média de 2012 a 2016 foi de apenas 34%, com um claro recuo em 2013, quando os bônus da OGX Petróleo e Gás Participações, no valor de US$ 3,6 bilhões, entraram em default com uma taxa de recuperação zero – isso porque a dívida foi convertida em ações da empresa.
A média de 34% está bem abaixo da verificada no mercado americano. Segundo outro estudo da S&P, que analisa o período de 2010 a 2017, as recuperações alcançadas em bônus sem garantia nos EUA foi de 51,9%, em média. “Comparado com EUA e Europa, a recuperação do crédito no Brasil é muito menor”, afirma Samuel Aguirre, diretor da área de finanças corporativas e reestruturação da FTI Consulting.
Quando se olha a taxa de recuperação do crédito de forma geral, em processos de reorganização, liquidação ou recuperação judicial, o Brasil fica atrás dos mercados da América Latina e dos países da OCDE. De acordo com o relatório “Doing Business” do Banco Mundial, publicado em junho de 2017, a taxa de recuperação de crédito no Brasil é de 12,7 centavos por dólar, enquanto a média na América Latina é de 30,8 centavos por dólar e, entre os países da OCDE, de 71,2 centavos por dólar.
Em alguns casos, o deságio (“haircut”) dado na renegociação dos bônus fica até menor. No caso da Oi, que teve o plano de recuperação aprovado em dezembro de 2017, a empresa ofereceu aos detentores de bônus não qualificados (de varejo) a opção de receber US$ 500 para US$ 1 mil detidos em títulos antigos, o que implica um deságio de 50%. Já os investidores qualificados detentores desses papéis terão a dívida convertida em ações da Oi.
A empresa de telefonia tinha R$ 32,3 bilhões em bônus e notas internacionais. Os papéis já estavam sendo negociados no mercado secundário com deságio de 70% a 80% do valor de face.
As agências de exportação, que não tiveram a dívida convertida em ações da Oi, estenderam o pagamento por 17 anos a uma taxa de 2% em dólar, o que implica um deságio de 60% a 70% no valor presente da dívida.
A crise econômica, problemas específicos de alguns setores como de açúcar e álcool e os impactos da operação Lava-Jato, principalmente para as construtoras, contribuíram para aumentar os casos de empresas em recuperação judicial no Brasil.
No setor de açucar e álcool, a alta do dólar nos últimos anos elevou a dívida das companhias, que já vinham sofrendo com os preços baixos do açúcar, levando muitas usinas a entrar em recuperação judicial. É o caso da Aralco. A companhia pediu recuperação judicial em 2016, menos de um ano após emitir US$ 250 milhões em bônus. A empresa recebeu um empréstimo de US$ 42 milhões da trading francesa Sucden para realizar o pagamento ao credores. Os investidores com crédito sem garantia real tiveram um deságio de 93,5% do valor da dívida.
Mesmo nas situações em que a empresa consegue sair da recuperação judicial, é aplicado desconto. Esse foi o caso do grupo Rede – adquirido pela Energisa -, em que os “bondholders” tiveram de amargar um desconto de 75% para receber seus créditos. Os credores que não optaram pelo desconto tiveram seus créditos alongados por 22 anos, com incidência de juros de 2% ou 4% sobre o valor principal e atualização pela TR – o que, na prática, significa um deságio implícito relevante
Segundo o analista da S&P, Diego Ocampo, em geral, os créditos com garantia real mostram uma taxa de recuperação melhor. Estudo da agência de classificação mostra que os bônus de empresas brasileiras com garantia prioritária alcançaram taxas de recuperação mais altas: 90% no mercado doméstico e 73% em emissões externas.
Esse foi o caso da PDG. Os créditos com garantia real, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) da 25ª série da 1ª emissão da PDG Securitizadora, ficaram fora do plano de recuperação judicial. Esses papéis contam com imóveis dados como garantia em alienação fiduciária, cujo valor é próximo do saldo dos CRIs, em torno de R$ 82 milhões, o que permitiria aos investidores receberem pelo menos o total investido. “O pagamento vai depender do fluxo de comercialização desses imóveis”, diz Carlos Ferrari, do escritório N, F&A. A PDG tinha cerca de R$ 1,5 bilhão em CRIs emitidos no mercado. Desse total, Ferrari estima que cerca de R$ 400 milhões devem contar com garantia real.
Fonte: Valor Econômico