Em março de 2014 o voo O6 6393 da Avianca, que havia partido de Petrolina para Belo Horizonte com conexão em Brasília e 49 pessoas a bordo, teve problemas. O trem de pouso dianteiro do Fokker 100 não abriu e forçou o comandante Eduardo Verly a fazer uma aterrisagem de emergência no aeroporto Juscelino Kubitschek. Após comunicar calmamente a torre da capital federal, o piloto sobrevoou a cidade para gastar combustível e pousou a aeronave de bico com todos os passageiros a salvo. Na época, a tranquilidade do comandante Verly foi apontada como a principal justificativa para que episódio não entrasse na lista de acidentes aéreos do país.
Embora nem todo mundo trabalhe na aviação, todos precisamos aprender a controlar nossas emoções nos momentos de tensão. Principalmente em um período de crise econômica como o que estamos passando, no qual nos deparamos com um cenário de pressão por resultados, demissões, cortes e sobrecarga de trabalho, saber lidar com sentimentos como preocupação, angústia, raiva ou medo é a chave para não entrar em desespero e perder o controle da própria carreira. “Todas as emoções têm um aspecto, até mesmo corporal, que vai variar de pessoa para pessoa. Em mim, a ansiedade pode vir acompanhada de suor e coração acelerado, em outra pessoa pode se manifestar de uma maneira diferente. Saber como essa emoção acontece é importante para entender a controlá-la”, diz a psicóloga clínica Daniela de Oliveira, de São Paulo. E é aí que entra em jogo uma velha conhecida do mundo corporativo: a inteligência emocional.
Definida como a capacidade de sentir, entender, controlar e modificar o próprio estado emocional ou de outra pessoa, o termo se tornou famoso após o lançamento, em 1995, do best-seller Inteligência Emocional (Objetiva, 57,90 reais), do americano Daniel Goleman. Até pouco tempo atrás, o sucesso de uma pessoa era avaliado pelo raciocínio lógico, o famoso Quociente de Inteligência (QI), o livro de Goleman trouxe outro aspecto para justificar os sucessos e insucessos de uma pessoa, o Quociente Emocional (QE). “Passamos por um deslocamento no padrão de competitividade, que antes era calcado nas competências técnicas, para outro cada vez mais centrado na subjetividade e na flexibilidade como capacidade de influenciar e engajar”, diz Anderson Sant’Anna, coordenador do núcleo de desenvolvimento de pessoas e liderança da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais.
E a competência ainda continua bastante valorizada. De acordo com uma pesquisa da consultoria americana Talent Smart, 90% dos profissionais mais bem avaliados pelos seus gestores têm um bom controle das suas emoções. Enquanto isso, apenas 20% dos funcionários com desempenho abaixo do esperado possuem a habilidade. “Quando você está consciente de si mesmo, é muito mais provável que você encontre as oportunidades certas, coloque seus pontos fortes no trabalho e, talvez mais o importante, controle as emoções que o impedem de crescer”, afirma Travis Bradberry, coautor do livro Emotional intelligence 2.0 (Perseu Books, sem edição no Brasil). Se fazer isso em momentos de calmaria já é complicado, na crise o desafio fica mais difícil. “Para a grande parte das empresas, a crise significa menos recursos. Quanto mais escassos esses meios, maior a disputa por eles. Isso, em geral leva a mais conflitos e competitividade”, diz Rogério Calia, professor do curso de administração da USP, de Ribeirão Preto.
Além de maior competitividade, o clima de pessimismo também contagia. “Ambientes estressantes despertam emoções ruins, servem de gatilho ou estímulo interno para trazer emoções com as quais não lidamos bem”, diz Rodrigo Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional (Sbie), de São Paulo. Saber gerir esses sentimentos ruins é a chave para não se deixar levar pelo clima de derrota que está ao redor. “Se o ambiente está desmotivador é preciso que eu controle a forma como eu ajo para não me deixar contaminar. Preciso focar no que posso fazer agora, sem sofrer por antecipação. Quanto mais reclamo ou discuto algo que não está no meu alcance mais aumenta o sentimento negativo”, diz Rubens Pimentel, sócio da Ynner Treinamentos, consultoria de desenvolvimento pessoal, de São Paulo.
Para os líderes, essa competência é importantíssima. Afinal, seu papel é o mesmo de um piloto de avião: manter a calma para não contaminar a equipe diante de situações críticas. “Cada grupo é reflexo da liderança. Se há alguém menos equilibrado no topo, o resto da pirâmide também vai ficar em desequilíbrio”, diz José Roberto, do IBC. Por isso, os líderes precisam mais do que nunca de autocontrole. É necessário, por exemplo, respirar fundo para não dar respostas e soluções rápidas (que geralmente não funcionam) e para não colocar a culpa nos outros (o que aumenta os conflitos). Quando o líder não tem controle emocional, o resultado é a piora de um cenário que já era ruim. “Ao não saber lidar com os próprios sentimentos e com as outras pessoas, o gestor se torna mais agressivo, intransigente e controlador”, diz Rubens.
Sentimentos elásticos
Um elástico quando é distendido pode arrebentar ou voltar ao estado seu estado natural devido à resiliência. Originado na física, o termo é usado para definir a capacidade de um material de retornar à forma original após ter sido submetido a uma tensão. Assim como os elásticos, nós podemos sucumbir ou nos recuperar de momentos difíceis – e essa competência está intimamente relacionada com a forma com a qual lidamos com nossas emoções. “Quanto maior sua inteligência emocional, mais resiliente você é, porque consegue ressignificar os episódios ruins e gerar aprendizado com a adversidade”, diz José Roberto Marques, presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC).
Porém, mais do que apenas nos recuperar de um momento crítico, a resiliência emocional está ligada ao aprendizado que aquela situação nos trouxe. “Existem dois extremos: a recuperação que acontece rápido demais e aquela que acontece muito devagar. A recuperação lenta mostra que a pessoa não é resiliente, que se deixa abater pela adversidade. A rápida demais pode ser, na verdade uma falsa resiliência, na qual o indivíduo não entra em contato com a realidade emocional. Pode até se levantar rapidamente, mas não há ganhos em termos de mudança”, diz Stephen Little, professor da The School of Life, em São Paulo.
De acordo com Little, a capacidade de aceitar a queda e vivenciar esse momento em vez de afastá-lo é o que vai diferenciar uma pessoa que passa por um momento difícil e consegue subtrair algo positivo, daquela que apenas atravessa a tempestade. “A nossa maneira automática de resistir é se afastar da dor. Essa reação vem do lado direito do cérebro, aquele ligado aos processos racionais. Quando a pessoa consegue exercitar o lado esquerdo e se mantém em contato com essa dor, nem que seja por alguns minutos, fica mais consciente com suas atitudes internas e encara os desafios de uma forma mais objetiva teimosa”, afirma.
Ginástica das emoções
Ao contrário do seu QI, que vai permanecer mais ou menos o mesmo ao longo da sua vida, o seu quociente emocional pode ser e desenvolvido. “Há uma via neuronal entre os centros racionais e emocionais do seu cérebro e você pode construir novos caminhos de informação. Depois de treinar o seu cérebro usando repetidamente novas estratégias de inteligência emocional, esses comportamentos irão se tornar hábitos”, diz Travis. E os momentos de crise são perfeitos para fazer essa ginástica sentimental – não vão faltar situações em que seu emocional será colocado à prova. “Podemos aprender através da repetição ou após passarmos por episódios que tiveram forte impacto emocional. Todos nós já vivenciamos situações que fizeram uma grande transformação no nosso cérebro”, afirma Rodrigo.
Outro passo para conseguir se tornar uma pessoa mais inteligente emocionalmente é buscar conhecimento de como você e as pessoas ao seu redor funcionam. Desse jeito fica mais fácil entender o aspecto cíclico das situações e aceitar que momentos ruins sempre vão aparecer – e passar. “Muitas vezes, somos engolidos pelos ambientes sem nem perceber. É preciso entender o contexto e como isso afeta você”, diz Daniela. A partir disso, é possível encontrar recursos internos para lidar com as dificuldades. “E você percebe que tudo é passageiro, tanto as crises quanto as alegrias”, afirma Daniela.
Lembre-se que ser inteligente emocionalmente não é algo que vai deixá-lo imune a ter altos e baixos. Essa competência apenas ajuda a lidar melhor com as emoções negativas, sem anulá-las. “Quem tem essa capacidade mantém o foco no que é possível resolver e, com isso, propõem soluções inovadoras”, diz Rodrigo.
Mas saiba que, por mais treinado que você seja, ainda é possível que tenha dias ruins. “Dependendo da situação, estamos mais ou menos controlados emocionalmente. É importante reconhecer isso também porque, em alguns momentos, devido ao estresse ou ao cansaço, você estará mais propício a perder o controle”, diz Daniele. O objetivo é melhorar sua capacidade porque, embora a inteligência emocional não lhe impeça de sentir aquele frio na barriga no meio da montanha russa das emoções, vai ajudar a lidar melhor com as reviravoltas — da carreira ou da vida.
Manipuladores emocionais
Alguns pesquisadores apontaram para o lado maquiavélico do controle das emoções. De acordo com um estudo publicado pela escola de negócios da Universidade A&M do Texas, feito pelos professores Martin Kilduff, Dan S. Chiaburu e Jochen I. Menges, a inteligência emocional pode adquirir um viés de manipulação. Segundos os estudiosos, ter essa habilidade de forma muito elevada pode fazer com que as pessoas fabriquem sentimentos para conseguir informações ou ganhos pessoais. A linha tênue para o lado obscuro é a ética pessoal. “Há pessoas que, naturalmente, influenciam os outros, a diferença é se você vai usar essa interferência em benefício próprio ou não”, diz Rubens Pimentel, sócio da Ynner Treinamentos, consultoria de desenvolvimento pessoal, de São Paulo. Usar a inteligência emocional para manipular outra pessoa fará com que se perca algo muito importante nas relações interpessoais: a confiança. “Essa estratégia em longo prazo pode trazer prejuízos. Não há carisma que sustente uma relação em que apenas uma das partes é beneficiada. Com o tempo, quem comete essa influência vai sentir as emoções negativas que isso traz”, diz Anderson Sant’Anna, da Fundação Dom Cabral.
Fonte: Blog Televendas