São vários e perversos os efeitos da crise financeira na vida do brasileiro. Da incapacidade de pagar seus compromissos ao atraso nas prestações e inclusão de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Da suspensão de concessão de novas linhas de crédito a um beco sem saída. Tudo muito pesado e desgastante. O problema ganha dimensões bem maiores, no entanto, quando a falta de pagamento resulta na perda de um bem, como o imóvel em que o consumidor mora com a família.
Somente a Caixa Econômica Federal colocou à venda 28.291 imóveis que foram retomados em 2017, crescimento de 58% sobre a quantidade oferecida no ano anterior (17.934). Nos cinco primeiros meses de 2018 já foram colocados à venda 17.559 imóveis retomados pela instituição. É mais comum e dramático do que se imagina.
Atualmente, os financiamentos habitacionais são concedidos por instituições financeiras dentro do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). E para conseguir um empréstimo, o interessado precisa aceitar que o próprio imóvel seja oferecido como garantia de pagamento da dívida, como observa o advogado Vinícius Costa, presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação.
Ao mesmo tempo em que oferecer garantias de altos valores é única forma de obter o financiamento, a opção é também de alto risco. É que “em caso de inadimplência do mutuário, o imóvel poderá ir a leilão, ser arrematado por terceiros ou até mesmo ser adquirido pelo banco de forma definitiva como pagamento da dívida”, esclarece o advogado.
De acordo com a legislação vigente, o agente financeiro (o banco) não tem a obrigação de renegociar permitindo o pagamento de uma prestação mais baixa. Assim, em caso de inadimplência, a saída para o mutuário acaba sendo pagar todas as parcelas em aberto para não perder o imóvel.
O mutuário que estiver com dificuldades de manter com o pagamento em dia, não deve esperar chegar a esse ponto mais delicado, em que será obrigado a liquidar de uma só vez o valor devido. Isso porque alguns bancos aceitam fazer acordos em outras bases. Uma delas, por exemplo, permite que o mutuário incorpore as prestações em aberto no saldo devedor. “É uma solução contra a inadimplência muito curta, além de refletir diretamente nas próximas prestações”, analisa o advogado.
Isso ocorre porque o mutuário, ao jogar as prestações no saldo devedor, mas mantendo o mesmo prazo para recálculo da dívida, a nova prestação vai acabar sendo mais alta. É evidente que, se já não vem conseguindo bancar a prestação atual, o mutuário terá maiores dificuldades para arcar com um valor mais pesado.
É possível também pedir uma suspensão temporária no pagamento das prestações, a chamada “pausa no contrato”, condição que às vezes é concedida por até um ano ao mutuário. “É importante destacar que essa pausa não retira a obrigação de pagar as prestações que ficaram suspensas. Isso será acordado previamente com o banco”, diz ele. “Essa pausa é importante para garantir um tempo de tranquilidade ao mutuário, ao mesmo tempo em que reorganiza a vida financeira para voltar a pagar normalmente as prestações do financiamento”.
Já os mutuários que possuem contrato vinculado ao Minha Casa Minha Vida têm a opção de acionar o Fundo Garantidor da Habitação (FGHAB), que cobre até 36 meses de prestação em caso de desemprego ou queda da renda familiar. “Também não é uma isenção na cobrança das prestações. O mutuário deverá pagar o que o seguro cobriu”. Trata-se igualmente de um expediente para aliviar o custo mensal familiar apertado pelo desemprego ou queda da renda familiar, mas não elimina a dívida, esclarece Costa.
Caso nenhuma dessas opções seja viável, o devedor tem como saída vender o imóvel ou tentar uma rescisão. Só que a rescisão de contrato de financiamento habitacional ainda não se encontra devidamente regulada. Segundo o advogado é essencial que seja aprovado o Projeto de Lei 308/2017, que propõe alterar o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, determinando a devolução ao mutuário de 80% das prestações que ele pagou ao banco.
Na opinião do especialista, o projeto pode colocar o consumidor e fornecedor em pé de igualdade, além de possibilitar ao mutuário recuperar um pouco do valor investido. “Quando o banco toma a propriedade do imóvel como pagamento da dívida, ele fica com um bem mais valioso que a própria dívida”. Isso acontece porque geralmente os bancos não financiam o valor total do imóvel, mas algo entre 70% e 80% disso, além do que a retomada se dá após amortização do saldo devedor com pagamento de prestações. O que prejudica o mutuário em benefício dos bancos.
Em contrapartida, “se o consumidor tem parte do capital empregado de volta, será possível investir em uma nova moradia, em um pequeno negócio, ou até mesmo pagar as demais dívidas que estão em seu nome”, afirma o advogado.
Nos contratos em que o bem fica no nome do financiador até a liquidação total da dívida, com a garantia conhecida como alienação fiduciária, esclarece o advogado Jairo Corrêa, do escritório Corrêa, Ongaro, Sano Advogados Associados, existe uma tolerância prevista no próprio contrato de até 60 dias de atraso para se iniciar o procedimento de execução extrajudicial. Nos casos em que isso não estiver previsto em contrato, a partir de 30 dias de atraso o banco já poderá iniciar a retomada do bem.
Corrêa alerta que quando as prestações do financiamento imobiliário não são pagas, a instituição inicia a cobrança por meio do cartório de registro de imóveis e o devedor será intimado a pagar o atraso no prazo de 15 dias. “Leva, em média, de seis a oito meses até que a instituição finalize o procedimento de execução com a realização dos leilões, quando a pessoa acaba perdendo a propriedade do imóvel”.
Caso o mutuário perca o emprego ou renda, o primeiro passo é sempre procurar a instituição e tentar renegociar a dívida, orienta o especialista. Uma alternativa também é tentar procurar outros agentes financeiros com melhores condições e realizar a portabilidade da dívida ou até mesmo vender o imóvel para minimizar os prejuízos.
Fonte: Estadão