No primeiro semestre, País passou do sexto para o nono lugar entre as nações que mais receberam capital de outros países; segundo o presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Philipp Schiemer, situação tem tornado difícil convencer a matriz a investir
A incerteza política que o Brasil tem vivido durante todo este ano espantou investidores estrangeiros. Segundo dados da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o País caiu, no primeiro semestre, do 6.º para o 9.º lugar entre os principais destinos de investimentos. De janeiro a junho, foram enviados para cá US$ 25,5 bilhões, uma queda de 22% ante os US$ 32,6 bilhões do mesmo período de 2017.
“A incerteza é a inimiga dos investimentos”, disse Richard Bolwijn, um dos autores do levantamento, referindo-se ao Brasil. Segundo ele, empresas tomam decisões de investir em um país com base nos fundamentos econômicos. Mas o momento de concretizar os planos passa por uma avaliação da instabilidade política.
Essa situação tem sido vivenciada diretamente pelo presidente da filial brasileira da Mercedes-Benz, Philipp Schiemer. Segundo ele, está difícil convencer a matriz da empresa na Alemanha a trazer novos investimentos para o Brasil, em meio a tantas incertezas em relação ao futuro do País, e os executivos globais se sentem mais inclinados a investir nos mercados asiáticos.
Schiemer garantiu que o atual plano de investimentos da montadora, de R$ 2,4 bilhões até 2022, não está em risco. No entanto, contou que teme pelos anos seguintes. “O ciclo de investimento é de longo prazo, então, uma vez tomada a decisão, não se muda. Mas, quando estamos discutindo investimentos para 2023 e 2024, eu fico preocupado”, disse o executivo, em evento do setor automotivo em São Paulo promovido pela editora AutoData.
O presidente da Mercedes lamentou que o segundo turno da eleição presidencial esteja sendo disputado por dois candidatos que ele considera serem “extremos”, mas ressaltou que terá de aceitar o resultado e garantiu que vai trabalhar com qualquer um deles.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Empresas Transnacionais (Sobeet), Luís Afonso Lima, o recuo de 22% no investimento direto estrangeiro no Brasil no primeiro semestre se deveu mais à frustração no ritmo de atividade e à conclusão de projetos do que efetivamente à incerteza eleitoral. Mas, para ele, esse cenário turbulento terá influência direta nos resultados do segundo semestre – a previsão é de uma queda de 30% na comparação com o mesmo período de 2017. “O ano de 2018 deve fechar com queda de 25%”, prevê.
Para 2019, o cenário deve continuar negativo para o investimento estrangeiro, segundo Lima. Entre os fatores responsáveis pela retração, o presidente da Sobeet aponta o caráter nacionalista já manifestado pelo candidato Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas para a Presidência – ele se mostrou contrário aos investimentos chineses. “Também o fluxo global de investimentos está diminuindo”, diz Lima. Ele aponta vários fatores para ambiente internacional desfavorável, como a redução da projeção de crescimento global, feita pelo FMI, e a decisão dos Estados Unidos de reduzir a tributação sobre a repatriação de capitais.
Livio Ribeiro, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, disse que há vários fatores combinados que jogam a favor e contra o investimento estrangeiro, não apenas a incerteza política. A taxa de câmbio, por exemplo, favorece o investimento, porque é possível fazer mais reais com a mesma cifra em dólares. Por sua a vez, a frustração que houve nas projeções de crescimento jogam no sentido oposto.
Ribeiro pondera também que, nos últimos anos, ocorreu uma redução nos fluxos comerciais e financeiros. Com protecionismo maior das economias, houve um desestímulo aos investimentos.
Recuo global
De uma forma global, os investimentos no mundo sofreram uma queda de 41% nos seis primeiros meses do ano, atingindo o ponto mais baixo em mais de uma década. No primeiro semestre de 2017, o volume havia atingido US$ 794 bilhões. Neste ano, o total chegou a US$ 470 bilhões. / JAMIL CHADE, MÁRCIA DE CHIARA E ANDRÉ ÍTALO ROCHA