Vinte e quatro anos depois do início da execução de uma ação de cobrança, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu a penhora de até 30% do salário do devedor. A dívida não tem caráter alimentar. O mesmo entendimento foi aplicado pelos ministros em outro processo julgado na tarde de ontem, por maioria de votos. Os dois casos são anteriores ao atual Código de Processo Civil (CPC), de 2015.
Em um dos processos julgados (REsp 1.518.169), a dívida refere-se à compra de uma safra de milho. O valor atualizado é de aproximadamente R$ 1 milhão, segundo o advogado do credor, Alberto Pavie, do escritório Gordilho, Pavie e Aguiar Advogados. “Há abuso manifesto do devedor. Não paga desde 1994″, afirmou, na sustentação oral.
De acordo com o advogado, no início da execução não foram encontrados bens para penhora. O pedido de retenção de 30% do salário foi apresentado quando a devedora assumiu cargo no Tribunal de Contas de Goiás.
O pedido foi concedido na primeira instância, mas reformado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO). Após recurso, a 3ª Turma
do STJ permitiu a penhora e, na sessão de ontem, a Corte Especial confirmou a decisão.
O advogado lembrou que a Corte Especial já admitiu a penhora de verba alimentar em outras situações excepcionais de cobrança de valores elevados – como honorários advocatícios. “A jurisprudência tem que admitir exceções”, afirmou. A defesa da devedora não apresentou sustentação oral na sessão.
No julgamento, o relator do caso, ministro Humberto Martins, que ficou vencido, afirmou que a decisão da 3ª Turma relativiza a impenhorabilidade prevista no artigo 649, inciso IV do CPC de 1973. O dispositivo diz que são “absolutamente impenhoráveis” os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia.
O relator ainda citou entendimento da Corte Especial (REsp nº 1.184.765) pela impenhorabilidade absoluta, em processo repetitivo. “A interpretação que deve prevalecer, à luz do CPC de 1973, é da impenhorabilidade absoluta”, concluiu Martins.
A maioria dos ministros, porém, acompanhou a posição da 3ª Turma, de excepcionar a regra do artigo 649, IV, do Código de Processo Civil de 73, nas hipóteses em que o montante bloqueado se revele razoável em relação à remuneração significativa recebida. No julgamento, o ministro Herman Benjamin lembrou que o novo Código de Processo Civil tem previsão expressa sobre a penhorabilidade, mas com limite.
Na sequência, foi julgado processo sobre a mesma tese, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves (REsp 1.582.475). Ele seguiu a linha da relativização. Para o relator, se as instâncias ordinárias indicarem o fato de que o percentual pretendido pelo credor permite que o devedor viva dignamente com sua família, pode-se admitir a penhora. Nesse caso, a renda do devedor era de R$ 33 mil.