Banco agora pode conceder crédito a empresa relacionada

Uma mudança de legislação que começou a valer neste ano autoriza os bancos a conceder crédito a pessoas e empresas ligadas ao mesmo grupo econômico. A medida derruba uma proibição histórica que existia desde a criação do Banco Central (BC), em 1964.

A partir de agora, os bancos podem conceder empréstimos e financiamentos, avais, fianças e outros tipos de garantia a pessoas físicas ou jurídicas relacionadas. Também foram autorizados depósitos interfinanceiros e, ainda, aplicações no exterior em instituições financeiras do grupo. Antes, quase nada era permitido, com exceção de bancos públicos, que já podiam dar crédito a estatais.

 As medidas fazem parte de resolução aprovada no fim de outubro pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e que entrou em vigor no início de janeiro. O texto regulamenta uma mudança de entendimento introduzida pela lei de 2017 que dispõe sobre processos administrativos do BC.

A aplicação mais óbvia é que diretores de instituições financeiras poderão ter cheque especial, cartão de crédito e linhas de financiamento dos bancos em que trabalham. Mas a mais relevante é que uma instituição poderá emprestar dinheiro aos controladores e a empresas com as quais tenha relação societária direta ou indireta.

Um banco de montadora poderia financiar a montadora. O Itaú Unibanco poderia dar garantia à Duratex, controlada pela Itaúsa. O Bradesco poderia emprestar a subsidiárias, e assim por diante. Os exemplos são hipotéticos.

As instituições financeiras têm até 1º de abril para formular suas políticas de operações com partes relacionadas, e é nisso que vêm trabalhando. De qualquer forma, a expectativa de fontes do setor é que os grandes bancos evitem transações polêmicas.

Por meio de nota, o Itaú afirmou que discute um desenho de governança para estabelecer como o limite autorizado pela regra “será alocado entre as diferentes partes”. Santander e Bradesco não se manifestaram. O Banco do Brasil informou que, a despeito da norma, seu estatuto proíbe operações com administradores, conselheiros e diretores. No caso de empresas, o BB – por ser público – já era autorizado a fazer transações com estatais.


A regra exige que as operações com pessoas e empresas ligadas sejam feitas em condições de mercado – com taxas, prazos e características semelhantes às que o banco adotaria para terceiros. A resolução também impõe limites às transações. O saldo não pode ultrapassar o equivalente a 10% do patrimônio líquido ajustado da instituição. Operações com uma única pessoa física não poderão passar de 1%. No caso de pessoa jurídica, o teto individual é de 5%.

São percentuais menores que os aplicáveis a negócios com o mercado em geral, em que a exposição a um cliente pode chegar a 25% do capital de nível 1 (embora os grandes bancos trabalhem bem abaixo desse patamar). Os tetos da regra não se aplicam a bancos públicos.

A mudança deixa para trás um tabu no mercado brasileiro e aproxima o país de práticas internacionais. Havia duas grandes preocupações entre os reguladores locais para vedar operações com partes relacionadas. Uma era evitar que o dinheiro de depositantes fosse mal empregado. Outra era que houvesse favorecimento a acionistas e empresas do grupo, e isso acarretasse riscos para o sistema. “O que se viu ao longo do tempo é que algumas dessas operações não trariam prejuízo”, diz Paula Ester, chefe em exercício do Departamento de Normas do BC.

A liberação dos negócios com empresas e pessoas ligadas divide opiniões entre advogados. Para Larissa Arruy, do Mattos Filho, é razoável que as instituições celebrem operações do tipo em condições de mercado. Rogério Taffarello, especialista em direito penal do escritório, acrescenta que a regra esclarece tratamentos conflitantes sobre o assunto nas esferas administrativa e criminal. “Havia uma insegurança jurídica grande”, diz.

Para Nei Zelmanovits, do Machado Meyer, a legislação era anacrônica, já que em outros países é possível emprestar para pessoas e empresas ligadas. “[A regra] é mais leniente na concessão de crédito, mas evita situações esdrúxulas, como um conselheiro de um banco ter de usar cheque especial do concorrente”, diz.

Eduardo Salomão, do Levy & Salomão, afirma não ver razões para a mudança, pois há riscos nas operações com partes relacionadas. “A tentação para o banco é grande.”

Segundo Paula, do BC, o órgão regulador tem ferramentas para saber se, de fato, as condições de mercado serão respeitadas. Os bancos também terão de reportar essas transações, seguindo orientação do padrão contábil Cosif emitida nesta semana.

Fonte: Valor Econômico