Bancos vão acelerar vendas de crédito podre

O mercado de recuperação de créditos deve voltar a crescer em 2019, após dois anos de relativa estabilidade. Os grandes bancos brasileiros devem colocar à venda, neste ano, até R$ 40 bilhões em carteiras vencidas, preveem gestoras especializadas na negociação desses ativos.

A expectativa de crescimento depende, em boa medida, da retomada das operações da Caixa Econômica Federal, suspensas desde meados de 2016 por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). Estão na reta final os trâmites para que o banco estatal possa voltar a negociar suas carteiras e a intenção de fazê-lo já foi sinalizada pela gestão do novo presidente da Caixa, Pedro Guimarães.

Depois de um forte crescimento em 2016, as vendas de créditos inadimplentes ficaram estáveis nos dois anos seguintes. Em cada um deles, os grandes bancos e, em menor escala, grupos varejistas colocaram no mercado operações que somavam cerca de R$ 30 bilhões em valor de face.

Cobrar uma fatura de cartão vencida desde os anos 90 ou um empréstimo pessoal da década passada costuma dar mais trabalho do que dinheiro para as instituições financeiras. Por isso, a estratégia dos bancos tem sido se associar a gestoras especializadas. Essas empresas compram os ativos com deságio dos bancos e , com base em modelos estatísticos e a ajuda de empresas de cobrança, conseguem negociar e recuperar parte do valor devido.

O último dos grandes bancos a dar esse passo foi o Bradesco, que em outubro anunciou a compra de 65% da RCB Investimentos. Os demais já são donos ou sócios de gestoras de recuperação de ativos há mais tempo: o Itaú Unibanco tem a Recovery; o Santander controla a Return; o Banco do Brasil (BB), a Ativos e o BTG Pactual, a Enforce. Com exceção desta última, todas têm foco na negociação de carteiras de varejo, e não de pessoas jurídicas.

“Cada banco tem seu modelo, mas as gestoras oferecem mais autonomia, custos menores e foco na recuperação”, afirma Flávio Suchek, presidente da Recovery, empresa que tem 25 milhões de clientes, 90% deles no varejo.

Para os bancos, a maior vantagem da venda de carteiras não é a receita que recebem por elas. As gestoras pagam uma pequena fração do valor de face dos ativos, que em geral já estão baixados para prejuízo. O interesse principal das instituições financeiras é reduzir os custos que têm com os sistemas de cobrança e, se possível, recuperar clientes. “Vender carteiras é mais uma questão de eficiência e foco”, diz Eurico Fabri, vice-presidente do Bradesco responsável pela área de varejo do banco. “Temos a máxima de que se você não consegue cobrar, você não consegue emprestar.”

Segundo Fabri, a intenção é usar a RCB para melhorar os índices de cobrança do próprio Bradesco. O banco pretende destinar à gestora amostras de crédito a recuperar e comparar com o desempenho do departamento que faz isso dentro de casa. “Quem tiver melhor performance vai recebendo mais créditos para trabalhar”, diz.

Nos últimos anos, a crise econômica tornou mais difícil o trabalho das áreas de cobrança. Em 2016 e 2017, as empresas conseguiam recuperar 30% menos do que vinham recuperando nos anos anteriores, segundo a Recovery. Já houve alguma melhora em 2018, mas ainda assim o percentual recuperável estava, em média, 17% inferior ao que se via em 2014, afirma Alexandre Nobre, sócio da RCB.

Para alguns gestores, uma recuperação total do mercado só poderá ser vista nos próximos anos, já que o desemprego continua em patamar elevado. “Num prazo de dois a quatro anos, o mercado deve mudar bastante. A melhora da economia vai trazer melhora e devem vir mais investidores”, diz Lauro Leite, presidente da Return.

Os financiamentos que não são pagos costumam pesar no balanço e nos índices de inadimplência dos bancos por até um ano. Depois disso, as instituições reconhecem a perda do empréstimo e baixam a operação a prejuízo. Entretanto, continuam tentando cobrar a dívida e, quanto mais passa o tempo, menor o valor que acabam recebendo.

No geral, os bancos ainda seguram os créditos em atraso por cerca de três anos, tentando a recuperação junto ao cliente, antes de repassar às gestoras parceiras ou ao mercado. Como há uma dispersão grande dos clientes com o passar do tempo, é mais eficiente fazer a venda das carteiras mais antigas.

“Concentramos as dívidas mais recentes no banco, não só pela quantidade de clientes, mas para recuperar o relacionamento com eles”, diz Adriano Pedroti, diretor de crédito e cobrança do Itaú Unibanco. “Mais da metade do resultado de cobranças é feito via rede de agências, quando o próprio gerente faz a proposta e aciona as áreas de suporte.”

As gestoras compram essa dívida com um grande desconto, investem em sistemas e estruturas para recuperá-los a um valor que pode representar uma rentabilidade três vezes superior à da taxa básica da economia. “Buscamos um prazo médio de recuperação de três anos, com rentabilidade de cerca de 25%  ao ano, a um custo de 27% do valor recuperado”, diz Alexandre Câmara, sócio do BTG Pactual.

O BTG foi pioneiro entre os bancos a se interessar em ter uma operação de crédito estressado no Brasil, o que o levou a comprar a Recovery na Argentina em 2010. O negócio foi vendido em 2015 para o Itaú, no auge dos problemas de liquidez causados pela prisão do então controlador do BTG, André Esteves, no âmbito da Operação Lava-Jato.

Um ano depois, o banco voltou ao mercado com a criação da Enforce, que tem R$ 38 bilhões em ativos sob gestão, focada na recuperação de crédito corporativo — um negócio que tem mais afinidade com um banco de investimento — de empresas cujo valor da dívida não está mais na capacidade de negociação. O projeto envolveu R$ 20 milhões em investimento em tecnologia, com um forte esforço de visitas a bancos e empresas.

Cada instituição adota uma postura diferente quanto às gestoras. O Bradesco e o Santander vendem suas carteiras de crédito no mercado, não apenas para as suas empresas. Já o Itaú só vende para a Recovey, que pode comprar de outros bancos no mercado, a mesma dinâmica escolhida pelo Banco do Brasil com a Ativos. “A prioridade é a venda da carteira do banco para a Ativos e, desde que começamos esse trabalho, nunca tivemos venda para outra securitizadora”, afirma Simão Luiz Kovalski, diretor de reestruturação de ativos operacionais do BB.

Para as gestoras de recuperação de crédito voltadas ao varejo, o investimento dos bancos vem para capitalizar o negócio e, principalmente, adotar tecnologia que ajude a desenvolver modelos de cobrança e atendimento. As empresas têm cada vez mais recorrido à inteligência artificial com esse objetivo. “Temos tido anos difíceis, mas o canal digital trouxe uma nova forma de interação com os clientes”, diz Lauro Leite, presidente da Return, investida pelo Santander.

A expectativa dos gestores é que, no futuro, as instituições financeiras passem adiante até mesmo créditos não baixados ainda como prejuízo.

Esse processo já começa a acontecer, ainda que de forma tímida. O Itaú tem adotado a prática de vender carteiras de crédito corporativos logo após a originação. “Temos tido cada vez mais a prática de originar para vender, especialmente porque muitas dessas transações não se adequam às nossas exigências de geração de valor, mas são clientes importantes”, afirmou o presidente do banco, Candido Bracher, a analistas em outubro.

Guimarães, presidente da Caixa, também disse que tem a intenção de vender carteiras do banco para aumentar a capacidade de originação de crédito imobiliário. Segundo ele, há potencial para securitizar e vender R$ 100 bilhões em créditos.

Fonte: Valor Economico