Inovação vai reduzir o custo do crédito

É essencial que a agenda de estímulo à inovação financeira seja mantida no novo governo. Este será um dos principais fatores para a redução no custo de crédito. Como se sabe, o Brasil possui um dos spreads bancários mais altos do mundo. A diferença de 39,6% entre o custo de captação dos bancos e o que cobram ao emprestar esses recursos coloca o país na incômoda posição de recordista mundial, segundo estudo do Banco Mundial de 2016. Perdemos apenas para Madagáscar (45%), uma ilha na África com uma economia que não chega a 1% do tamanho da nossa.

O Índice de Custo do Crédito (ICC), calculado pelo Banco Central, mostra que o spread bancário pode ser explicado, em ordem decrescente de grandeza, por inadimplência, custos administrativos, impostos e margem financeira. O aspecto concorrencial afeta este último componente por meio do lucro dos bancos. A inovação é o caminho mais curto para introduzir concorrência no sistema financeiro brasileiro, proporcionando crédito mais barato para empresas e famílias.

O Relatório de Economia Bancária de setembro de 2017, do Banco Central, diz que “a maior concentração bancária, por si só, não causa spreads elevados”. Como mostra o estudo, há países com elevada concentração bancária, como Finlândia e Holanda, que possuem spreads bancários menores do que países com baixo nível de concentração, como Alemanha e Itália. De fato, desde a grande crise financeira de 2008, a concentração bancária aumentou em todo o mundo, sem que os spreads bancários necessariamente crescessem.

Mas é certo que o aumento da competição reduz spreads. Por essa razão, “ampliar a concorrência é prioridade e se insere no pilar ‘crédito mais barato’ da Agenda BC+” do Banco Central, registra o Relatório. Diz o trabalho que o BC “tem se empenhado em aumentar a concorrência como uma das formas de reduzir o custo de crédito. De maneira mais ampla, o BCB tem trabalhado para reduzir o custo de crédito de maneira estrutural e sustentável”.

O relatório do BC aponta que o Brasil tem a segunda maior concentração bancária entre as suas cinco maiores instituições financeiras em uma lista de 20 países. A Holanda fica em primeiro lugar, com 89% dos ativos nesse grupo de cinco bancos. Em seguida, vem o Brasil e a França, com 82%. Nos Estados Unidos, esse índice é de apenas 43%. Na Alemanha, 35%. Na Índia, 36%.

A Agenda BC+ envolve medidas para aumentar a disponibilidade de informações às instituições financeiras, adaptar a regulação de acordo com o porte da instituição, fomentar a portabilidade dos empréstimos, facilitar o acesso ou mudança de instituição pelas clientes e incentivar inovações financeiras.

O ecossistema de startups intensivas no uso de tecnologia financeira, as chamadas fintechs, é diversificado e tem apresentado crescimento. O Radar FintechLab, editado em 2018 registrou 453 empresas atuantes no Brasil, além de cinco bancos digitais. São companhias que pretendem inovar nos segmentos de pagamentos, gestão financeira, empréstimos, investimentos, financiamento privado, seguros, negociação de dívidas, criptoativos e processo contábil.

Uma das maiores fontes de inovação financeira é o mercado de investimentos em dívida privada (private debt). Levantamento da Preqin, empresa de pesquisas em investimentos alternativos, mostra que os fundos de dívida privada devem dobrar de tamanho de 2017 a 2023, chegando a US$ 1,4 trilhão em ativos.

O objetivo desses fundos de dívida privada é unir investidores que tem apetite para esse tipo de risco e estão buscando retornos maiores diretamente a quem precisa dos recursos. No mundo, este mercado já representa quase US$ 700 bilhões. No Brasil, está nascendo.

Os fundos de dívida privada possuem algumas características que reforçam a inovação financeira. Em primeiro lugar, tem a possibilidade de dar crédito com base em modelos de risco independentes dos requisitos dos órgãos reguladores, eventualmente acessando bons pagadores que os bancos deixam passar.

Segundo, como a função desses fundos é conectar investidores com tomadores de crédito, naturalmente se interessam por mercados nos quais existe demanda pelo lado do tomador e um retorno ajustado ao risco interessante para o investidor. Desta forma, este modelo usa os fundamentos econômicos de oferta e demanda para alocar capital de forma eficiente no mercado de crédito.

Por último, mas não menos importante, o desenvolvimento de qualquer novo produto pelos grandes bancos requer um nível de investimento relativamente elevado. Isso dificulta a aprovação e o desenvolvimento de produtos direcionados para mercados menores. Como os gestores dos fundos de investimentos em dívida privada contam com uma estrutura mais leve do que os bancos, fica interessante para eles tentar atender as necessidades desses nichos, ajudando na diversidade de produtos de crédito disponíveis no mercado de forma geral.

Como os fundos de investimentos em dívida privada ainda representam uma fatia pequena do mercado, eles são o que chamamos em economia de “price takers” ou tomadores de preço, ao contrário dos grandes bancos, que são “price setters” ou determinadores de preços. Diante desta realidade, os preços bancários servem como teto para os fundos de dívida privada, e assim, necessariamente precisam oferecer um preço, no mínimo igual, e mais provavelmente menor, do que aquilo oferecido pelos bancos.

Com respeito ao custo, é importante lembrar que o modelo mais puro de dívida privada busca desintermediar o mercado de crédito. O modelo de negócios de intermediação dos bancos busca ganhar spread, ou seja, a diferença entre o custo de capital e o seu preço (equivalente a diferença entre o que é pago ao poupador ou correntista e o que é cobrado do tomador de um empréstimo).

Já os fundos de dívida privada trabalham em um modelo de desintermediação, que passa toda a rentabilidade da carteira (menos custos e inadimplência) para os seus investidores. Os gestores responsáveis pelas atividades de gerenciamento desta carteira de ativos de crédito ganham um fee. Desta forma, um modelo de desintermediação não cria grandes incentivos para maximizar o custo de crédito para elevar receitas. Alternativamente, um modelo de desintermediação maximiza receitas ao buscar o preço de compensação de mercado (o market-clearing price) onde o retorno final do investidor compensa o risco e iliquidez do seu investimento para o maior número de investidores.

Dentro de um contexto da taxa Selic historicamente baixa, este modelo apresenta benefícios não somente para tomadores com a possibilidade de trazer novos produtos e custos mais atraentes, mas também para investidores, que precisam diversificar suas carteiras para conseguir entregar os mesmos retornos que já estão acostumados.

Fonte: Valor Economico