Gestão precisa se preocupar também com os pequenos desperdícios

O ditado “o diabo mora nos detalhes” deveria ser levado mais a sério por empresários

 

Há um conhecido ditado que ensina que “o diabo mora nos detalhes”. Em outras palavras, em boa parte das vezes, são os pequenos problemas – aqueles não tão aparentes, por vezes banais e que, por isso mesmo, deixamos passar incólumes – que no final das contas causam os maiores prejuízos.

Na gestão, isso é muito comum de acontecer, por exemplo, com relação aos desperdícios. O modelo mental tradicional muitas vezes nos leva a atacar e eliminar somente os grandes e mais aparentes desperdícios, mas se esquecem que “o diabo” mora mesmo é nos pequenos, e que muitas vezes eles entravam as tentativas de eliminar os grandes.

Outro dia, por exemplo, observei esse tipo de fenômeno num grande estádio de futebol em São Paulo. No intervalo do jogo, fui comprar um refrigerante, mas havia uma imensa e desanimadora fila para pegar a bebida. Comecei, então, a observar que um pequeno detalhe era o que consumia o maior tempo dos atendentes, e ele era uma das principais causas da grande fila.

Como não se pode levar latas para o campo, o vendedor tinha que despejar o líquido da lata de refrigerante em um copo de plástico para entregar o produto ao cliente. Isso tomava um enorme tempo, e os atendentes ficavam mais tempo segurando as latas do que buscando e entregando o que os clientes solicitavam. Some a isso o fato de que as geladeiras e prateleiras onde estavam os produtos ficavam longe dos atendentes, o que trazia mais perdas de tempo desnecessárias com deslocamento. Muitos clientes saíam insatisfeitos ou até mesmo desistiam da compra.

Qualquer pessoa que observasse essa atividade imediatamente poderia trazer várias ideias de como melhorar (por exemplo, criando um suporte simples para as latas esvaziarem enquanto o atendente poderia fazer outra coisa ou mudando a disposição dos equipamentos etc.), de forma que mais clientes pudessem ser atendidos de forma mais rápida e produtiva.

“Detalhes” similares como esse, que acabam gerando enormes desperdícios e perdas nos negócios, podem ser vistos nos diversos tipos de processos com os quais nos deparamos no dia a dia: nas filas para comprar pipoca nos cinemas, nas esperas dos postos de gasolina, nas filas dos supermercados. Fatalmente, também ocorrem aos montes nas indústrias, nas áreas de serviços, em todo tipo de organização.

Para combater isso, a filosofia lean, ou mentalidade enxuta, nos ensina que antes de mais nada é preciso mudar a mentalidade da organização: passar a olhar todas as atividades com um olho muito mais crítico, questionando se cada detalhe agrega ou não valor ao cliente.

Isso traz uma importante consequência. Esses pequenos desperdícios muitas vezes só conseguem ser percebidos de verdade por quem lida com eles no dia a dia. Não são os diretores da rede de lanchonetes dos estádios, por exemplo, que vão conseguir perceber aquele detalhe que eu observei como consumidor, mas sim o atendente, que, se for preparado e orientado para isso, poderia ter percebido e sugerido uma mudança.

Para isso é preciso, fundamentalmente, desenvolver as pessoas das organizações, todas elas. Orientá-las para que olhem seus processos e tentem achar esses “diabos” que podem fazer uma grande diferença. E, uma vez feito isso, obviamente analisar, propor e testar melhorias e padronizar o novo processo. Imediatamente em seguida, começar a observar novos “pequenos desperdícios” que possam ocorrer. Uma vez encontrados e eliminados, padronizar novamente o processo… E assim por diante.

Essa “roda” de melhorias, quando realizada de forma consciente e cotidiana, causa verdadeiras revoluções nas organizações, que se tornam a cada dia muito mais eficientes e competitivas.

Se há muitos desses “diabos” na sua empresa, inicie uma cruzada contra eles, desenvolvendo formas que possibilitem que todos se envolvam nesse objetivo. É preciso agir para encontrar e eliminar esses pequenos desperdícios, que sempre levam a grandes dores de cabeça.

*Flávio Picchi é presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

 

Fonte: Época Negócios