Apesar da expectativa de crescimento da concessão de crédito, graças aos novos mecanismos em desenvolvimento no mercado, como o cadastro positivo e open banking, a demanda por empréstimos pode contrariar a tendência, tendo em vista o comportamento do consumidor. De acordo com o levantamento do Instituto Locomotiva, apenas 1/3 dos brasileiros se sentem seguros financeiramente para tomar dinheiro emprestado, o que torna o jogo da cobrança mais complicado do que em outros momentos.
O instituto constatou ainda que este comportamento receoso se explica por conta do pessimismo em relação ao cenário econômico: 2/3 dos brasileiros acham que estamos apenas na metade do começo da crise. E 97% dos entrevistados dizem que a crise impactou suas vidas. “E quanto menor a renda, maior o número de brasileiros que afirmam ter dificuldades para pagar as contas. Não é um cenário muito fácil”, comenta João Paulo Cunha, marketing research manager do Instituto Locomotiva.
A pesquisa aponta ainda que estar inadimplente transcende o transtorno financeiro na vida de um indivíduo, afetando também as esferas social e emocional. “Nove em cada 10 devedores estão muito preocupados com as dívidas, o que soma 57,9 milhões de brasileiros. E essa preocupação afeta o cotidiano. Hoje, 51% admitem ter brigado com alguém da família por conta da dívida e ¾ não atendem chamadas de números desconhecidos com medo de ser uma empresa de cobrança. São 45 milhões de pessoas que passaram a ignorar telefonemas”, continua Cunha.
Outras constatações importantes da pesquisa mostram que 73% dos inadimplentes afirmam ter vergonha que terceiros descubram a sua condição e que 78% acreditam que terão, sim, condições de honrar seus compromissos. Neste recorte entre os otimistas, 80% conta que vai regularizar as dívidas basicamente controlando-as, além de economizar e gerar novas receitas.
João Cunha chama atenção para a desconexão entre empresas de cobrança e tendências de mercado. “Há um consenso entre consumidores e profissionais de cobrança de que a melhor forma de negociar é por meios digitais, que constrange menos e talvez ofereça chance melhor de negociação. Mas 45% das empresas entrevistadas não adotam nenhuma tecnologia na recuperação, das quais 57% pretendem não adotá-las.”
Trabalhar medidas para recuperar este cliente negativado deve ser, na opinião do especialista, a principal jogada do mercado financeiro, já que os 63 milhões de inadimplentes são consumidores. “Não vemos pessoas andando sem roupa na rua, deixando de comer, de andar de ônibus, deixando de comprar. A pesquisa deixa claro que a grande maioria dos inadimplentes fez compras no mercado, online, em shoppings, viu filmes e séries”, continua o especialista do Instituto Locomotiva.
Mais que continuar a consumir, os reinseridos no ciclo compram até mais. “57% deles têm a intenção de comprar móveis para a casa, 47% querem comprar carro, 37% sonham com tvs, 35% com smartphones, geladeiras, máquinas de lavar”, ressalta Cunha.
A fim de repensar o ciclo de crédito, Rodrigo Sanchez, executive VP da Serasa Experian, pontua que não existe concessão de crédito sem inadimplentes e que, para reduzi-la, uma das atitudes é investir na educação financeira ao consumidor. Assim, cria-se um ciclo mais sustentável, em que seja possível reduzir o custo do spread: hoje 37% do spread bancário vem da inadimplência.
No entanto, criar mecanismos para diminuir o número de consumidores com dívidas em abertos e recuperar valores emprestados pode ser mais simples do que se imagina. Roque Pellizzaro Junior, presidente do SPC Brasil, conta que um dos grandes aprendizados que teve em sua experiência do mercado é que só se paga dívida velha com dinheiro novo.
“Inovação não precisa de muita tecnologia na cobrança. Um comerciante de Capinzal, em Santa Catarina, fez uma campanha com os clientes. Como a maioria é pedreiro e faz compras recorrentes, ele colocou um informativo dizendo: ‘Se você me deve e comprar à vista na minha loja, a cada R$ 100 gastos, abato 3% da dívida velha’. Assim, ele criou um mecanismo para manter o cliente e ainda receber a conta no médio prazo”, conclui Pellizzaro.
Fonte: Blog televendas