32% dos empreendedores negros já tiveram crédito negado sem explicação

Mesmo com nome limpo, afroempreendedores têm dificuldade em conseguir empréstimo de bancos

No auge de sua agência de comunicação, o empresário Sergio All, 45, percebeu que a tecnologia evoluía constantemente e, portanto, precisava investir mais no seu negócio para acompanhá-la.

Decidiu, então, pedir crédito pessoal ao banco do qual era cliente havia dez anos e, para a sua surpresa, teve o não como resposta.

“Na hora eu queria entender por que eu não poderia ter esse acesso”, afirma o empresário. “Eu tinha uma agência que movimentava muito dinheiro, tinha todo o score [pontuação do Serasa] necessário. Eu não era diferente dos outros.”

O caso de Sergio All não é isolado. Apesar de movimentarem R$ 1,7 trilhão por ano, 32% dos empreendedores pretos e pardos tiveram um ou mais pedidos de crédito negados por seus bancos, sem que fossem esclarecidas as razões.

É o que diz o Estudo do Empreendedorismo Negro no Brasil, levantamento inédito realizado pela PretaHub em parceria com Plano CDE e JP Morgan.

A pesquisa entrevistou 1.220 pessoas negras e brancas em todo o país, de todas as classes sociais, para mapear os perfis e principais dificuldades do afroempreendedorismo.

Publicitário e especialista em finanças, All tomou o episódio como estímulo para criar seu próprio banco, voltado especialmente à população negra e de baixa renda.

“Um pouco depois [de ter o crédito negado] eu fui entender que foi uma questão social, racial e seletiva, o que me fez ir além”, conta. “Eu me perguntei: quantos caras iguais a mim passam por isso?”

Nascido na periferia de São Paulo, o empresário conhecia as dificuldades financeiras do público que queria impactar. Em 2017, fundou a Conta Black, primeira conta digital criada por negros entre as mais de 500 fintechs —startups voltadas ao serviço financeiro— do Brasil.

A novidade, que por enquanto atua em cinco estados brasileiros, já tem 3.000 contas cadastradas e quer chegar às 50 mil ainda neste ano. Para isso, tem promovido a desburocratização do acesso a serviços financeiros por meio de taxas mais baixas e atendimento transparente.

Querendo se distanciar do termo “banco” e se aproximar do que a equipe chama de pessoalidade, a Black quer ampliar uma nova onda, a das chamadas “comunidades financeiras”, na qual é pioneira.

A proposta dessas comunidades é focar na base da pirâmide, ou seja, os desbancarizados. De acordo com o Instituto Locomotiva, 45 milhões de brasileiros são excluídos do sistema bancário de crédito.

A sede pelo impacto social se alia também ao potencial rentável do segmento. Ainda que excluídos, os desbancarizados movimentam R$ 817 bilhões ao ano no Brasil.

Apesar dos benefícios oferecidos a empreendedores negros, como ferramentas de educação e gestão financeira de negócios, são poucos os que concordam com a interpretação que deu vida à fintech.

Isso porque, ainda de acordo com o Estudo, apenas 3% dos empreendedores negros acreditam que a dificuldade de acesso a crédito esteja ligada à questão racial.

Para a empreendedora social Adriana Barbosa, vencedora do Troféu Grão 2019 e fundadora da PretaHub e da Feira Preta, o mapeamento feito pela pesquisa é necessário para que seja atribuída ao empreendedorismo negro uma narrativa de potência no lugar da escassez.

Feira Preta

Um exemplo dessa escassez seria a dificuldade de acesso ao crédito, que ela considera uma consequência do racismo institucionalizado no Brasil.

“Os negros estão em desvantagem há muitos anos e de forma sistemática, e essa exclusão faz com que não nos encaixemos nos critérios dos bancos de acesso ao crédito”, diz a integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

O produtor audiovisual e empreendedor Rodrigo Portela, 31, era correntista do mesmo banco havia mais de cinco anos e também teve seu pedido de crédito pessoal negado na primeira vez em que precisou.

O episódio, semelhante ao de Sergio All, o levou a adotar comportamento diferente em relação às finanças. Ele é fundador da Terra Preta Produções —produtora audiovisual voltada ao público negro desde 2017— e, após ser deixado na mão pelo banco, trabalhou para que seu negócio se tornasse completamente sustentável, sem dar passo maior que a perna.

Portela também defende que os pedidos de crédito negados aos empreendedores negros sem explicação estão ligados à questão racial. Ele diz que decidiu pedir empréstimo ao banco, no início da Terra Preta, devido à propaganda do “crédito fácil” feita pelo dono da produtora em que trabalhava antes.

“Ele pegava crédito no banco todo mês para poder pagar a gente, dizia que era ‘de boa’. E, logo na primeira vez que tentei, não consegui”, diz o empreendedor. “Mas é claro: ele era branco, eu não.”

Em seu depoimento para o Prêmio Empreendedor Social 2019, a empreendedora Sheila Makeda também apontou a diferença de tratamento de bancários em relação a correntistas negros.

“Você vai ao banco e é olhada de um jeito diferente, como se não tivesse condições de ter uma conta lá”, conta a dona da Makeda Cosméticos.

Alguns bancos já tiveram casos de violência com clientes negros repercutidos na mídia. Um dos que mais geraram protestos aconteceu em fevereiro de 2019, numa agência da Caixa Econômica Federal em Salvador.

O microempresário e cliente da Caixa Crispim Terral estava acompanhado por sua filha de 15 anos quando foi imobilizado por policiais militares da Bahia e retirado à força do local.

Consultada sobre a cor da pele ser um possível empecilho para a concessão de crédito em algumas agências bancárias, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que cada banco tem sua própria política para concessão de crédito, sendo dois dos critérios o tempo de relacionamento com o cliente e o histórico de pagamentos.

“Vale ressaltar que o Sistema de Autorregulação Bancária (Sarb) determina que os bancos atuem de modo ético e tratem o consumidor de forma justa, digna e transparente”, completa a federação.

Fonte: Folha de SP