Empresas começam a pedir água e crédito podre deve dobrar em 2021

Os indicadores de pedidos de recuperação judicial e falências inverteram o sinal e passaram a subir em outubro. Eles sinalizam e confirmam a tendência que vem sendo apontada por especialistas de maior inadimplência e forte aumento na geração de crédito podre em 2021. A mudança de direção nos pedidos de recuperação judicial ocorre com o fim da prorrogação para o pagamento de dívidas de vários bancos e a exaustão de companhias que tentam sobreviver desde março, quando o isolamento social colocou vários negócios sob pressão.

Em outubro, os pedidos de recuperação judicial aumentaram 52,3% e os de falência avançaram 18,4% na comparação com setembro, conforme dados divulgados pela Boa Vista Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC). O movimento se contrapõe às quedas que vinham sendo registradas nos meses anteriores e apontam para inversão dessa tendência, conforme a Boa Vista.

A Deloitte calcula que, em 2021, a pandemia terá contribuído para dobrar o volume de dívidas sem chance de serem pagas por pessoas físicas e jurídicas. Assim, elas entram nas contas das que potencialmente serão negociadas no mercado que compra e venda os “créditos podres”. Para 2021, a consultoria prevê que o volume de créditos não performados (NPL, no jargão do mercado em inglês)  que serão negociados por especialistas na compra e venda de créditos inadimplentes chegue perto de R$ 46 bilhões.

Neste número estão muitos calotes que acabaram sendo maquiados este ano, em virtude do suporte dos bancos e do governo a empresas e pessoas físicas. Tanto que, graças a essa ajuda, a expectativa da Deloitte é de uma retração da ordem de 33% no volume de créditos não performados a serem negociados este ano, para R$ 22 bilhões.

A perspectiva é de que, no ano que vem, as pessoas jurídicas puxem a fila dos calotes. Especialmente as micro, pequenas e médias companhias, sempre as primeiramente afetadas em uma crise, segundo o diretor de Portfolio Lead Advisory Services (PLAS) da Deloitte, Ricardo Marin. “Em tese, a onda vem primeiro nas pessoas jurídicas menores com as pessoas físicas aparecendo em um segundo momento”, disse. Para ele, a perspectiva de retomada da economia, que existe para a Deloitte no ano que vem, pode alterar os números.

O sócio-fundador da Pantálica Partners, Salvatore Milanese, diz que empresas que ficaram fora de linhas como o Programa Emergencial de Acesso ao Crédito, voltado aos pequenos empresários, tem recorrido à sua empresa para tentar alongar dívidas ou ajustar custos. Segundo ele, o fim das políticas de prorrogações de pagamento de dívidas dos bancos também está pesando, mas esse impacto não se trata de uma prerrogativa do Brasil. “Nos Estados Unidos, muitas empresas ‘zumbis’ ficaram em pé por causa das injeções de dinheiro subsidiado do governo.”

Nesse sentido, o reestruturador de empresas Estevão Rocha, vê um cenário pior nos próximos meses. “O fôlego das carências e prorrogações de pagamentos de principal, concedido pelas instituições financeiras, assim como de repasses de recursos do governo, está acabando, enquanto, na grande maioria dos casos, não houve mudança na forma de operar dos empresários”, diz Rocha. Com a perspectiva de agravamento do endividamento, Rocha afirma que o pior ainda está por vir, com crescimento no número de recuperações judiciais e falências em 2021.

Felipe Lollato, sócio do escritório Lollato Lopes Rangel e Ribeiro Advogados, especializado em recuperação judicial , acrescenta que deve haver um afunilamento da capacidade de cumprimento das obrigações pelas empresas com a redução ou retirada dos auxílios governamentais, aliados ao fim de carências e prorrogações concedidas por credores das mais variadas naturezas. “Essa impontualidade no cumprimento de pagamentos acarreta tanto na necessidade de eventualmente se pedir a proteção de um processo de recuperação judicial ou em nada sendo feito, pode culminar na decretação da falência da empresa”, diz.

Fonte: O Estado da São Paulo