Elas terão de retomar pagamento de financiamentos, com faturamento abaixo do nível pré-pandemia e perspectiva de uma segunda onda de Covid-19
A pandemia trouxe um impacto inesperado para o índice de inadimplência das micro, pequenas e médias empresas. Ele chegou ao menor patamar histórico, tendo caído quase à metade entre o pico da crise, em abril, e setembro, último dado disponível no Banco Central (BC). Isso, no entanto, pode não durar, já que há sinais cada vez mais fortes de que o país estaria prestes a enfrentar uma segunda onda de Covid-19.
A queda de 4,11% para 2,24% da inadimplência das médias, pequenas e micro empresas aconteceu principalmente por conta das renegociações dos financiamentos. De acordo com o BC, entre março e junho deste ano, as instituições financeiras repactuaram 34,2% das operações das micros e 35,4% das pequenas empresas.
Já sabendo que os pequenos têm menos ferramentas para resistir a um impacto grande na economia, como o causado pela pandemia, e com estímulos do BC, os bancos ficaram um pouco mais abertos às possibilidades de repactuação do crédito, dando carência ou estendendo os prazos de pagamento.
No período da crise, muitos empresários obtiveram a suspensão do pagamento dos empréstimos contraídos, o que, consequentemente, derrubou a inadimplência.
Segunda onda preocupa
No entanto, há um alerta para o início de 2021. Muitas dessas renegociações preveem que os pagamentos sejam retomados em janeiro ou fevereiro, prazo em que grande parte das empresas ainda não voltou ao faturamento que tinha antes da crise.
Na avaliação do presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e dos Empreendedores Individuais (Conampe), Ercílio Santinoni, o aumento da inadimplência é inevitável:
— Nossa preocupação é com aqueles que já estavam em dificuldade e que pegaram o dinheiro para pagar salário e contas atrasadas. Eles continuam com capital de giro muito pequeno. Quando chegar o início do ano terão que aumentar o faturamento, ou não vão conseguir pagar as parcelas. É natural que tenhamos um aumento da inadimplência.
Pesa ainda o fim da vigência, em dezembro, da medida provisória (MP) 936, de redução e suspensão de jornada e salários. Representará um aumento de custos para os empresários, tornando mais necessária ainda uma nova negociação dos empréstimos.
Proprietário da ótica Finajoy, no Leme, Zona Sul do Rio, Thiago Quirino diz que a situação não está tranquila, mas tem conseguido manter um nível de vendas razoável. Para isso, ele reduziu as margens de lucro, já que alguns produtos, como as lentes, são importados e ficaram mais caros com a valorização do dólar.
Quirino conseguiu pegar crédito no Pronampe, linha de crédito para micro e pequenas empresas, que lhe permitiu manter o negócio aberto e recebendo clientes. Ele avalia que, se a situação continuar como está, os pagamentos ficarão em dia. Sua preocupação é que uma segunda onda de Covid-19 leve as lojas a fecharem novamente.
— A incerteza é essa, não sei se vai parar, aí fica meio complicado.
Semana passada, o Senado aprovou a terceira fase do Pronampe, com mais R$ 10 bilhões. Até o fim de outubro, já foram concedidos R$ 32,8 bilhões em 476 mil contratos. Falta passar na Câmara.
O diretor administrativo da Rolasul Rolamentos, Alexandre Oriques, planeja tomar crédito na nova rodada do Pronampe. Ele conta que a empresa, do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, fornece para indústrias de tinturaria da região, que é têxtil, e cuja produção está “a todo vapor”.
— Espero que apareça (o crédito), porque dá uma segurança para gente poder investir e seguir pra frente com passos largos — diz Oriques, que espera registrar faturamento recorde este ano.
Giovanni Beviláqua, economista e analista técnico da unidade de capitalização e serviços financeiros do Sebrae, ressalta que uma possível segunda onda teria impacto nas pequenas empresas.
— De forma geral, o que estamos vendo é que a pandemia ainda não acabou e que a recuperação de segmentos, apesar de significativa nos últimos meses, ainda não está forte o suficiente frente à possibilidade de uma segunda onda. Claro que isso acaba impactando os níveis de endividamento das empresas.
De acordo com o Sebrae, as micro e pequenas empregam quase 55% dos trabalhadores formais do país e representam 99% das empresas brasileiras. Beviláqua ressalta que programas como o Pronampe foram fundamentais para esses pequenos negócios.
— Os programas do governo, até agora, só valem até 31 de dezembro, então todos os esforços são justamente para o que se vai fazer depois disso. É uma situação que merece atenção.
Expectativa com bancos
Tadeu Madureira administra a Pratique Fitness, uma rede de academias em Belo Horizonte que funciona como uma cooperativa, em que cada unidade tem seu próprio CNPJ e sócios. O setor foi um dos que mais sofreram durante a crise. Foram cinco meses fechados e sem faturamento.
— Estávamos em expansão, seriam mais quatro unidades. Tivemos que queimar as reservas de expansão para manter as academias — conta Tadeu.
Duas unidades conseguiram crédito durante a crise. Tadeu estima que cerca de 50% dos clientes já voltaram, percentual que pode chegar a 80% até o início do ano que vem. Ele não vê problemas no pagamento dos empréstimos, pois houve um bom planejamento. A complicação, diz, apareceria no caso de uma segunda onda:
— Se tiver uma segunda onda, não existe plano B. Não só nosso, mas do governo, da sociedade em geral.
Santinoni, da Conampe, espera que, em 2021, os bancos estejam abertos a renegociar:
— Talvez o sistema nacional de garantias, que está em fase de lançamento, seja uma solução para os bancos continuarem emprestando. Acredito que, no início do ano, teremos de voltar a negociar com os bancos para deixar os valores das parcelas de acordo com a nova realidade.