Paralisação de processos gerou insegurança no mercado financeiro
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu uma decisão que deu muita dor de cabeça ao mercado financeiro neste último mês. As ações de busca e apreensão vão voltar a tramitar normalmente em todo o país. O comando para a liberação desses processos foi dado ontem pelos ministros da 2ª Seção.
Essa discussão tem origem em uma sessão virtual. Os ministros resolveram julgar, em caráter repetitivo, se as notificações enviadas pelos bancos aos seus clientes endividados precisam ser assinadas. E, nessa ocasião, determinaram que as ações de busca e apreensão que discutem esse ponto deveriam ficar suspensas até o julgamento e conclusão do tema.
A forma como a decisão foi redigida, no entanto, gerou interpretações divergentes no mercado. Advogados que atuam na área entenderam que todas as ações de busca e apreensão haviam sido suspensas – e isso se estendeu para o Judiciário.
A primeira e a segunda instâncias começaram a aplicar a suspensão de forma indiscriminada. O assunto foi noticiado, com exclusividade, pela coluna digital do Valor, o Valor Jurídico.
Essa discussão envolve, especificamente, os contratos garantidos por alienação fiduciária. É o caso dos financiamentos de veículos. O pagamento é garantido pelo próprio bem que está sendo financiado e se o cliente não pagar o que deve, o banco pode tomar.
Só que com a suspensão das ações de busca e apreensão, as instituições financeiras ficam sem acesso a essas garantias. Por isso, tanta preocupação.
Existem requisitos que os bancos precisam cumprir antes de entrar com a ação. O principal deles é constituir o devedor em mora, ou seja, dar ciência ao cliente de que as parcelas estão em atraso e se não houver regularização há risco de perder o bem. Isso pode ser feito por protesto ou notificação extrajudicial.
Os bancos geralmente optam pela notificação extrajudicial. Costumam enviar pelos Correios a partir de 90 dias de atraso das parcelas. A discussão que está no STJ – e será decidida em caráter repetitivo – é sobre os avisos de recebimento dessas notificações.
Não há ainda uma data marcada para o julgamento em repetitivo. Os ministros da 2ª Seção trataram ontem somente da determinação que suspendeu as ações em todo o país (enquanto esse julgamento não acontece). Eles abordaram o tema por meio de uma questão de ordem. O próprio relator, Marco Buzzi, foi quem levantou a discussão.
O ministro informou aos colegas que a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que atua como amicus curiae no caso, e a Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento, parte no processo, comunicaram nos autos sobre as decisões de primeira e segunda instâncias suspendendo toda e qualquer ação de busca e apreensão e apresentaram pedido para que a determinação da Corte fosse revista.
Buzzi concordou. A liberação de todas as ações, ele disse, vai “evitar risco de perecimento dos direitos e a propagação equivocada da leitura do comando” dado pelo STJ. O ministro acrescentou que a liberação, nesse caso, é possível porque a 3ª e a 4ª Turmas – que estão abaixo da 2ª Seção – têm entendimento favorável às instituições financeiras.
O entendimento do relator foi acompanhado, de forma unânime, pelos demais integrantes da 2ª Seção. Essa decisão acaba com um problema grave e imediato, mas, segundo advogados, ainda não resolve tudo. Há dúvida no mercado em relação ao que será exatamente discutido no julgamento em repetitivo.
O texto do ministro Buzzi diz que a Seção vai “definir se é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no contrato, dispensando-se, por conseguinte, que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário”.
O ministro usa a expressão “do próprio destinatário” e esse termo tem dado margem a interpretações divergentes no mercado. Advogados de bancos que atuam junto a montadoras disseram ao Valor que dá a entender que a discussão será ampla: se pode, um terceiro, assinar o recebimento (os porteiros, por exemplo, que recebem as correspondências nos prédios).
Já a Febraban tem uma interpretação mais restritiva. Entende que o caso em discussão na 2ª Seção trata especificamente sobre as notificações que retornaram sem assinatura (nem do próprio devedor nem de terceiros).
A entidade diz que o STJ já tem jurisprudência firmada sobre a assinatura de terceiros – permitindo – e que o caso escolhido agora para julgamento trata especificamente sobre a falta da assinatura.
Ministros ouvidos pelo Valor, entretanto, trazem uma terceira versão. O objetivo seria definir se basta o envio da correspondência para o endereço do devedor que consta no contrato – não tratando, portanto, de assinatura de terceiros ou da devolução da notificação sem nenhuma assinatura. Ponderam, no entanto, que essas questões podem vir à tona durante o julgamento.
Ainda não há data para a análise do assunto, mas segundo consta no regimento da Corte, deve ocorrer no prazo máximo de um ano. O tema será analisado por meio de dois processos do Rio Grande do Sul (REsp 1951888 e REsp 1951662).
Fonte: Valor Econômico