Executivo vê retração do PIB da ordem de 4% neste ano
O coronavírus frustrou as perspectivas de um ano promissor para o Bradesco. No lugar de uma expansão de até 13% na carteira de crédito, os sinais agora são de um desempenho bem mais fraco e de uma inadimplência que será “talvez o dobro, talvez até mais” que o anteriormente previsto. Foi esse o cenário traçado pelo presidente do segundo maior banco privado do país, Octavio de Lazari Jr., em entrevista transmitida ao vivo ontem pelo site do Valor.
“É muito cedo para fazer qualquer prognóstico, talvez seja até puro achismo, mas vai ter crescimento de carteira de crédito menor, principalmente nos dois primeiros trimestres do ano. E está contratada uma maior inadimplência”, afirmou. “Mas qualquer guidance [projeção] agora será vazio e achismo.”
O executivo disse esperar uma contração de até 4% na economia brasileira neste ano, bem mais profunda que a queda de 1% prevista pelo departamento de economia do Bradesco.
Embora as principais medidas para mitigar o impacto econômico da crise do coronavírus já estejam dadas, na visão do executivo, Lazari afirmou que agora serão necessários “tiros de sniper” para atacar questões de setores específicos. Companhias aéreas, elétricas e indústria automotiva foram apontadas por ele como cadeias produtivas que precisarão de ajuda do governo – num processo do qual os bancos poderão participar, por exemplo, oferecendo spreads mais baixos no repasse de recursos do BNDES. Ao mesmo tempo, para o presidente do Bradesco, também há que se atacar os problemas das microempresas pelo potencial empregador que têm. Soluções para o segmento estão em discussão no Ministério da Economia.
De acordo com Lazari, o Banco Central (BC) injetou muita liquidez no mercado, mas houve uma superdemanda de grandes empresas por recursos cerca de dez dias atrás. “Recebemos em média de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões de tíquetes de operações por dia e, naquele momento, passamos a receber R$ 20 bilhões”, afirmou. “Fizemos uma diluição desses recursos [liberados pelo regulador] para várias empresas [de menor porte] e pessoas físicas também.”
Essa situação, somada à alta nas taxas futuras de juros, levou a uma alta momentânea nas taxas de juros de algumas linhas de crédito. “Isso já passou, voltou a normalidade, estamos com juros iguais ao que operávamos no passado”, ponderou, acrescentando que o banco não alterou sua tabela de preços e tem orientado os gerentes a não cobrar mais caro dos clientes agora.
Os bancos vêm sendo criticados por alguns setores, como o automobilístico e o de varejo, que alegam estar pagando taxas mais altas. As instituições financeiras negam que tenham elevado os juros em meio à crise.
“Não temos interesse em aumentar taxa de juro e a pessoa não conseguir pagar. Nosso interesse é continuar a movimentar a roda da economia”, disse Lazari.
A crise, segundo o presidente do Bradesco, levou a uma colaboração inédita com seus principais concorrentes – Itaú Unibanco e Santander – tanto na forma de doações quanto na elaboração de medidas.
Uma delas, em parceria com o Banco Central, foi a decisão de prorrogar contratos de crédito de pessoas físicas e pequenas empresas por 60 dias, mantendo a taxa de juros da operação original. Embora o acordo seja válido apenas para quem estava em dia com os pagamentos, Lazari afirmou que, no Bradesco, estão sendo aceitos pedidos de quem estava com atraso de até 59 dias nos pagamentos. Até ontem, o banco havia recebido 993 mil solicitações.
Na visão do executivo, provavelmente será necessária a extensão por um prazo superior a 60 dias. “Já estamos conversando [com o BC] sobre isso”, afirmou.
Outra medida negociada entre os bancos e o governo foi a criação de uma linha para financiar a folha de pagamento de pequenas empresas com receita entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões, em parceria com o governo. O Tesouro vai oferecer 85% dos recursos previstos para a modalidade e arcar com a mesma proporção da inadimplência.
A modalidade começou a ser oferecida nesta semana, mas agora enfrenta uma discussão jurídica. Por causa do uso de dinheiro público, a medida provisória que estabeleceu o programa exige que as empresas tomadoras dos recursos não tenham dívidas com o INSS – o que ameaça deixar boa parte do público-alvo sem acesso à linha.
Segundo Lazari, o banco não tem acesso ao cadastro de devedores da União, e por isso tem operado a linha independentemente dessa questão, com base apenas nas informações fornecidas pelas empresas. O Bradesco tem 54 clientes pessoa jurídica pré-aprovados para tomar essa linha e, anteontem, 4,7 mil deles já haviam solicitado os recursos.
O presidente do Bradesco defendeu uma na legislação para resolver a questão do cadastro negativo, e disse que o governo está sensível à questão. “É melhor manter emprego e discutir o aspecto do INSS depois”, ressaltou.
Para Lazari, a hora é de pensar no que precisa ser feito e depois decidir como a conta será paga. Ele destacou que o esforço para enfrentar a crise pode alcançar um volume equivalente a toda a economia prevista em uma década com a reforma da Previdência. “O [secretário do Tesouro] Mansueto Almeida tem falado isso, o tamanho do auxílio fiscal deve beirar R$ 800 bilhões, o mesmo montante que conseguiríamos economizar com reforma da Previdência em dez anos. Entende o tamanho do desafio pela frente? Vamos ter de suportar o fiscal neste ano e a partir do ano que vem reconstruir.”
O mesmo vale para o resultado do banco. Além do impacto no crédito, o Bradesco deverá sentir os efeitos da crise em negócios como seguros – com grande participação no ramo de saúde – e adquirência (faz parte do bloco de controle da Cielo). No entanto, segundo Lazari, a instituição vai sair muito mais digital desse período.
Nas atividades de suporte, mais de 90% dos funcionários do Bradesco estão trabalhando remotamente. Nas agências, tem sido feito um rodízio entre as equipes. Segundo o executivo, está mantido o plano de fechar cerca de 300 agências neste ano.
Para Lazari, diferentemente do que se viu em crises anteriores, não se verá agora um processo de consolidação no setor bancário. “Não tem mais muito o que se consolidar no mercado brasileiro porque não tem mais banco para comprar o outro”, afirmou. No entanto, disse que o Bradesco está sempre atento a oportunidades no mercado. (Colaboraram Flávia Furlan e Sérgio Tauhata)