Varejistas abriram milhares de vagas nas últimas semanas. Além do operacional, supermercados buscam profissionais que impulsionem estratégia digital
O surto de coronavírus causou, entre outros muitos efeitos, uma mudança significativa na forma como o consumidor se alimenta. Passando mais tempo dentro de casa, as pessoas podem dedicar mais tempo à cozinha. Por isso, começaram a demandar mais dos supermercados que, de certa forma, representam um dos poucos segmentos beneficiados por essa crise.
A Cielo divulgou um levantamento que mostra um crescimento de 17,7% no faturamento de super e hipermercados entre 1 de março e 04 de abril. O único setor que acompanhou o crescimento dos supermercadistas foi o varejo farmacêutico, que cresceu bem menos no período – 5,2%.
No mês passado, as vendas diárias dos supermercados paulistas chegaram a ter alta de até 48,5% na comparação com os dias correspondentes de semanas anteriores. Somente no período entre 27 e 30 de março houve queda nas vendas. Os números são da Apas – Associação Paulista de Supermercados.
Contratações digitais
Com isso, surgiu mais um efeito positivo: uma onda de contratações. Os maiores supermercadistas do Brasil já penduram por toda parte o aviso “estamos contratando”. Carrefour, GPA, e Grupo BIG devem empregar, juntos, quase 11 mil novos funcionários.
O processo de contratação é 100% digital. Os candidatos precisam preencher formulários online e enviar às empresas vídeos respondendo a algumas perguntas sobre seus perfis.
“O uso de tecnologia tem se mostrado bastante efetivo para otimizar o processo. Hoje, o número de smartphones é superior ao de habitantes no país e quase 70% dos brasileiros estão conectados à internet. Assim, a ferramenta é uma ótima alternativa para dar agilidade às contratações e tornar o processo seletivo menos desgastante para o candidato”, afirma Cátia Porto, diretora executiva de RH e Assuntos Corporativos do Grupo BIG.
A maioria das vagas são temporárias. Mesmo assim, uma boa parcela dos profissionais contratados entre março e abril devem ser efetivados, garantem as empresas.
Operador de caixa, repositor de estoque e auxiliares de logística estão entre as funções mais requisitadas pelos super e hipermercados. Porém, as empresas do setor também estão buscando profissionais que vão compor o corpo estratégico por trás de operações cada vez maiores. O digital passa a ganhar relevância ainda maior.
Mudança de perspectiva
Em tempos de isolamento social, os consumidores estão exigindo mais da estratégia digital das empresas, o que faz com que os supermercados – especialmente os menores – voltem seus investimentos para o e-commerce, o delivery e estratégias omnichannel como click and collect.
A Propz, empresa de inteligência analítica para o varejo, percebeu nas últimas semanas que os supermercados também estão contratando profissionais para acelerar seus canais digitais. Danilo Nascimento, sócio diretor da empresa, explica que os supermercados estão contratando para “suprir uma necessidade de mão de obra para distribuição no online, que não era o canal prioritário para o setor”.
Empecilhos
O segmento supermercadista se esforça para driblar alguns fatores que atrapalham a digitalização. O primeiro desses fatores, explica Nascimento, é o comportamento do consumidor, que ainda não tem o hábito de comprar alimentos perecíveis online. Este comportamento do consumidor leva a outro fator: a um custo de aquisição de cliente (CAC) alto. Para um setor que opera com margens pequenas, um CAC alto dificulta o investimento em um canal como e-commerce.
Há ainda a dificuldade logística conhecida por todos os setores do varejo e apontada como uma das maiores dificuldades para investir no online. “O setor já demandava e agora deve demandar ainda mais profissionais do digital. São profissionais de marketing digital, inteligência de negócio, pricing e relacionamento com o cliente”, explica Luiz Claudio Dias Melo, sócio-diretor da divisão de varejo da consultoria 360 Varejo.
Visão de longo prazo
Melo afirma que, depois do pico de contratação, a quantidade de profissionais focados no digital deve se manter em um patamar mais alto se comparado com o cenário pré-crise. “O mercado está sendo empurrado por milhares de consumidores digitais”, diz. “Quem não tinha feito sua primeira compra digital está fazendo e a adesão ao digital cresceu”.
Os pequenos players devem dar início a estratégias online mais agressivas a partir das mudanças provocadas pela pandemia do novo coronavírus. Já as grandes redes vão focar em soluções que ainda precisam de aprimoramentos.
“O canal digital ganhou uma relevância enorme nesse momento. A maioria dos consumidores não está acostumada com esse modelo de compras digital. E quando falamos de players grandes, sabemos que já têm uma estrutura, que já estavam preparados para atender no canal digital”, opina Stenio Souza, CEO da Smollan iTrade, empresa de soluções em field marketing para o varejo.
E depois da crise?
Dados da Reuters mostram crescimento de 30% no número de pedidos da Rappi, um dos principais players de entrega do Brasil. O crescimento se deu em toda a América Latina e a categoria que puxou a alta foi a de supermercados.
Colocando as incertezas e previsões difíceis de lado, os especialistas garantem que o setor supermercadista está sendo transformado por este momento turbulento.
Para Souza, da iTrade, os varejistas também vão mudar a forma como olham para as lojas físicas. “A loja vai ganhar outro sentido na criação da experiência. A loja física não será apenas um ambiente estático, mas algo mais humano e harmônico”. Dentro desse contexto, o atendimento ao cliente deve ser fortemente impactado depois de um período de isolamento social.
Essa aceleração da digitalização dos supermercados vai exigir que os players do setor criem um relacionamento duradouro com os seus clientes, já que o ambiente digital é mais pulverizado e dá fácil acesso a ferramentas de comparação de preço, algo dificultado quando se compra em lojas físicas.
“Quanto mais você vai para os canais digitais, menor eficiente é a mídia em massa. Os supermercados vão começar a entender melhor como gerir os novos canais para extrair deles relacionamento com o cliente, o que vai trazer a eles fidelidade à marca”, explica Nascimento, da Propz.
O momento para os supermercados é de construção ou manutenção de sua relevância como marca para a vida dos consumidores. Só assim seus clientes serão capazes de ignorar pequenas diferenças de preço por causa da confiança em uma marca.