Decisões levam em conta anúncio de bancos de que não haveria afastamentos
A Justiça do Trabalho tem concedido liminares para reintegrar bancários demitidos durante a pandemia. Um dos principais argumentos considerados nos processos é o fato de os três maiores bancos privados do país terem assumido o compromisso público de não demitir no período.
Neste ano, foram distribuídos 11.087 processos trabalhistas com os termos pandemia e reintegração nas peças iniciais, segundo o Data Lawyer Insights, plataforma de jurimetria. Do total, 417 foram contra o Santander, 283 contra o Bradesco e 177 contra o Itaú Unibanco.
Segundo levantamento da presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), o Santander demitiu 1.100 trabalhadores desde junho. “Os números podem ser maiores porque nem todas são homologadas por sindicatos, desde a entrada em vigor da reforma trabalhista”, diz a presidente da entidade, Juvândia Moreira. O Itaú Unibanco demitiu 130 funcionários desde setembro e o Bradesco promoveu 566 desligamentos neste mês, informa a confederação.
A advogada Cristina Stamato, do Stamato, do Saboya & Rocha Advogados Associados, que atua para o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Nova Friburgo e o de Niterói e Região, afirma ter ajuizado 32 pedidos de reintegração. Destes, diz ter obtido liminares favoráveis em seis processos e negativa em sete, que vai recorrer.
Cristina explica que os processos têm como principal fundamento o compromisso dos três maiores bancos privados, em reunião com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), de que não haveria demissões. “Apesar de não estar em acordo coletivo, foi assumido não só nos meios de comunicação, como nos informes aos acionistas, o que gera uma obrigação com os funcionários”. Outro argumento apresentado é de que, mesmo na crise, os bancos ainda obtiveram lucro.
De acordo com levantamento do Valor Data, com base nas demonstrações financeiras das instituições, o Itaú Unibanco teve lucro líquido de R$ 8,1 bilhões no 1º semestre de 2020. Uma queda de 41,6% do lucro obtido no mesmo período de 2019 (R$ 13,9 bilhões). O Bradesco registrou R$ 7,6 bilhões, uma queda de 40%, em relação ao 1º semestre do ano passado (R$ 12,7 bilhões), e o Santander teve R$ 6 bilhões de lucro, ante os R$ 7,1 bilhões no primeiro semestre de 2019, queda de 15,9 %.
Um dos pedidos analisados pelo Judiciário é de uma bancária demitida no início deste mês pelo Itaú Unibanco, após 22 anos na instituição. A juíza Kiria Simões Garcia, da 71ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, determinou a reintegração. Segundo a magistrada, a dispensa da funcionária foi formalizada em grave momento de pandemia, deixando-a sem renda e impedida de buscar qualquer fonte de subsistência em razão das medidas de isolamento social (processo nº 0100795-45.2020.5.01.0071).
Outra bancária, demitida no início deste mês pelo Itaú Unibanco conseguiu reintegração na 4ª Vara do Trabalho de Niterói (processo nº 0100662-66.2020.5.01.0244). Ao analisar o caso, a juíza Simone Poubel Lima ressaltou que houve compromisso da instituição em não demitir e que o Relatório Anual do Banco (2019) já previa suspender demissões durante o período de crise – a exceção seria razões de quebra de ética grave.
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio de Janeiro também decidiu pela reintegração de um bancário ao considerar, além de outros pontos, esse argumento (processo nº 0103011-95.2020.5.01.0000).
O Bradesco também teve que reintegrar uma bancária dispensada no dia 9 de março, em tratamento médico. Ao passar pela perícia do INSS no dia 3 de junho, passou a receber auxílio-doença.
A juíza da 2ª Vara do Trabalho de Niterói, Claudia Siqueira da Silva, ressaltou que os atestados médicos comprovam doença típica da atividade de bancário, ao diagnosticar Lesão por Esforço Repetitivo (Ler), o que já daria estabilidade provisória. Ela ainda destacou que “a manifestação de vontade emitida pela reclamada [não dispensar empregados no período da pandemia] gera obrigação contratual” (Processo nº 0100374-27.2020.5.01.0242).
Segundo o advogado trabalhista Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados, o compromisso público assumido pelos bancos pode ser entendido pela Justiça do Trabalho como uma condição que adere aos contratos individuais. “As empresas em geral têm que tomar cuidado com as suas manifestações públicas porque isso pode gerar expectativas e podem afetar os contratos de trabalho”, diz.
Já o advogado Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados afirma que declarações como essa não têm valor jurídico. “Não é promessa, compromisso ou contrato”, diz. Ele assessora a rede de churrascarias Fogo de Chão, que responde a ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por ter demitido 436 funcionários durante a pandemia. O Tribunal Superior do Trabalho suspendeu a reintegração de 42 empregados no Distrito Federal (processo nº 1000812-05.2020.5.00.0000).
Segundo Pessoa, a ação que corre em São Paulo foi extinta (processo nº 1001.779-93.2020.5.02.0000) e a do Rio (processo nº 0100413-12.2020.5.01.0052) está em tramitação. “Com a pandemia, querem criar uma hipótese de estabilidade que não tem previsão legal ou constitucional”, afirma.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou não ter identificado movimento de reintegração de trabalhadores que fuja da normalidade. De acordo com a entidade, a judicialização trabalhista do setor bancário vem caindo nos últimos anos e alcançou o menor patamar da história neste ano. O volume de ações entre janeiro e setembro, acrescenta, é 47,42% menor que o registrado em 2019.
O Bradesco informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comentaria o assunto. Já o Banco Santander não comenta casos sub judice. O Itaú Unibanco vai recorrer dos processos e diz que, até setembro, tanto admissões como demissões estavam suspensas.