Prolongamento da crise impulsiona operações, e empresas do setor preveem vendas de até R$ 40 bi
O prolongamento da pandemia, a chegada de novos vendedores e a liberação de operações que estavam represadas devem dar impulso ao mercado de recuperação de créditos neste ano. Companhias que compram esses ativos esperam cessões de carteiras com valor de face entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, crescimento de mais de 50% no volume cedido em 2020.
Nesse mercado, créditos inadimplentes são vendidos – tradicionalmente por bancos, financeiras e varejistas – com desconto a empresas especializadas. Estas usam tecnologia para recuperar parte dessas operações, que em geral já foram baixadas para prejuízo pelos vendedores.
As incertezas trazidas pela pandemia de covid-19 colocaram o segmento em banho-maria no ano passado, quando foram cedidos menos de R$ 20 bilhões. Agora, os negócios estão voltando pouco a pouco.
Duas operações já estão no mercado. O Bradesco deve fechar até o fim deste mês a venda de uma carteira de R$ 3 bilhões. A Via Varejo também colocou em negociação um portfólio de cerca de R$ 1,2 bilhão, de acordo com fontes próximas ao setor.
Tanto o banco quanto a varejista são nomes frequentes nesse tipo de transação, mas há novos vendedores chegando. Um dos que podem estrear é a Petrobras. O Valor apurou que a estatal vem sondando o interesse de gestoras em suas carteiras de contas de clientes em atraso. No balanço de 2020, a companhia informava ter R$ 9,1 bilhões a receber de terceiros que estavam inadimplentes.
Procurada, a estatal afirmou, por meio da assessoria de imprensa, “que estuda constantemente formas de otimizar seu capital de giro, mas não há qualquer decisão tomada” sobre a venda de carteiras de crédito.
O BNDES lançou edital, em dezembro, para vender créditos inadimplentes que somam R$ 160 milhões em saldo contábil. A Caixa, que está fora do mercado desde 2016, reabriu conversas com gestoras neste ano, conforme noticiou o Valor em janeiro. Operações do Santander e do BV são aguardadas para o segundo trimestre.
“Estamos vendo movimentação de vendedores tradicionais como também de novos nomes”, afirma Wagner Sanches, presidente da Recovery. De acordo com o executivo, varejistas de menor porte, fintechs, empresas de saúde e educação e companhias de serviços públicos começam a conversar sobre a possibilidade de ceder suas carteiras em atraso, interessadas em gerenciar calotes acumulados na pandemia e em reforçar o caixa.
Também têm surgido ativos com atrasos mais curtos, algumas com prazo de inadimplência inferior a 12 meses – ou seja, originadas na pandemia e ainda não baixadas a prejuízo. “Isso faz com que o preço das carteiras seja mais alto que o observado nos anos anteriores”, afirma Lauro Leite, presidente da Return. Trata-se de um perfil novo, já que os bancos costumam vender carteiras inadimplentes há mais de um ano, consideradas de mais difícil recuperação.
No ano passado, as instituições financeiras prorrogaram um grande volume de operações de crédito e atenuaram a curva de inadimplência que se imaginava no início da pandemia. Agora, essas operações começam a vencer e a economia está retraída, o que deve elevar o volume de ativos em atraso. “As coisas estão se acumulando e os bancos devem trazer algumas carteiras já no segundo trimestre”, diz Alexandre Camara, sócio do BTG Pactual, controlador da Enforce.
Apesar das boas perspectivas, o desempenho fraco da atividade econômica ainda gera incertezas na formação de preços. Em 2020, o auxílio emergencial acabou ajudando na cobrança de dívidas, mas agora o benefício será menor e o desemprego, mais alto. Com isso, o tempo de recuperação das carteiras vencidas poderá ser mais longo. “Há muita incerteza e algumas empresas estão esperando para ver como as coisas evoluem”, diz Alexandre Nobre, sócio da RCB.
A inadimplência das safras mais recentes de crédito deve continuar sob controle, mas nas carteiras mais antigas os calotes devem estourar, diz Ulisses Rodrigues, presidente da Intrum. Segundo ele, a crise também pode estender o tempo de recuperação das carteiras. O executivo, no entanto, está otimista com as oportunidades. A empresa europeia está concluindo a montagem de um fundo para atuar no Brasil e planeja investir entre € 5 milhões e € 20 milhões na compra de ativos neste ano.
Fonte: Valor Econômico