Restrição a chamadas indesejadas é positiva, mas demandará fiscalização

Para os milhões de brasileiros atormentados com as chamadas indesejadas de telemarketing, é um alívio a tentativa da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de impor alguma disciplina ao setor. Ainda que de forma tardia, considerando a enxurrada de reclamações que há anos congestionam as linhas de órgãos de defesa do consumidor, das operadoras e da própria Anatel. É, portanto, bem-vinda a determinação para que esse tipo de chamada use o prefixo 0303, permitindo que o usuário as identifique, possa recusá-las ou bloqueá-las.

O telemarketing, é importante ressaltar, é prática que pode ser usada de modo eficaz quando dirigida ao público interessado. Também reúne alguns dos maiores empregadores privados do país, com dezenas de milhares de postos de trabalho que atraem em geral brasileiros com baixa qualificação. Mas nada é pior para quem tenta promover algum produto do que oferecê-lo de modo indiscriminado a quem não está interessado. Daí a necessidade de uma regulação sensata do setor.

A decisão da Anatel para conter os abusos foi tomada no fim do ano passado. Entrou em vigor no último dia 10 e, mesmo assim, parcialmente. Por enquanto, vale somente para chamadas originadas de celulares. Empresas que usam números fixos têm até junho para se adaptar. Instituições que pedem doações ou fazem cobranças estão desobrigadas de usar o prefixo. A Anatel diz que descumprir as determinações poderá resultar em multas ou até bloqueio das empresas. É o que se espera.

Qualquer um que tenha telefone celular ou fixo (oito em cada dez brasileiros) conhece os dissabores de receber chamadas indesejadas, muitas vezes operadas por robôs, a qualquer hora do dia, com ofertas irritantes de produtos e serviços quase sempre desnecessários. Uma pesquisa feita em 2019 pela Secretaria Nacional do Consumidor mostrou que 93% dos entrevistados já tinham recebido ligações de telemarketing. A maioria (65%) disse atender até dez chamadas por semana.

As tentativas de resolver o problema nunca deram certo. São Paulo, Rio e Distrito Federal ensaiaram restrições de dias e horários para as chamadas indesejadas. Não funcionou. O serviço NãoMePerturbe, que permite bloquear ligações de telemarketing para fixo ou celular, reúne mais de 9,5 milhões de cadastrados, mas é restrito às chamadas de operadoras de telecomunicações e exige que o reclamante preencha um longo cadastro. Cria-se uma situação esdrúxula. O cidadão perde tempo e paciência para dizer que não quer receber aquilo que não pediu.

A nova tentativa de solucionar os abusos representa um avanço. Mas uma coisa é estabelecer regras, outra é as empresas cumprirem. Quem já tentou se livrar do bombardeio de ligações indevidas sabe que as empresas lançam mão de inúmeros artifícios. Por mais promissora que seja a ideia do prefixo que permite o bloqueio, só uma fiscalização rigorosa e a aplicação de multas para quem desrespeitar as normas poderão frear o ímpeto desmedido. A Anatel precisa ficar ligada.

Fonte: o Globo