Dívidas vão consumir Auxílio e FGTS, preveem economistas

Diferente do que ocorreu em 2019, dinheiro do FGTS terá pouco impacto sob o consumo

Além do efeito corrosivo da inflação, economistas têm dúvidas a respeito do real impacto de medidas de estímulo fiscal do governo sobre o consumo por causa de um outro fenômeno: o endividamento elevado das famílias.

“Não consigo imaginar rendimento nominal crescendo mais do que 7,7%”, diz Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, em referência a sua projeção para inflação neste ano. “Com [liberação de saques do] FGTS e Auxílio Brasil, melhora, mas não me animo com isso na ponta do consumo. Parte vai virar abatimento de dívida, e não consumo”, afirma.

Em 2019, quando houve medida similar para o FGTS, a estimativa era que o efeito multiplicador sobre o consumo fosse de um para um, segundo Caruso. “Hoje, se realmente forem resgatados R$ 30 bilhões pelos trabalhadores, acredito que esse multiplicador seria menor. Não vamos ter ganhos de consumo e PIB reais desse FGTS”, diz ele.

Em um cenário econômico como o atual, sobretudo por causa da inflação alta, boa parte dessa renda dos saques extraordinários do fundo deve ir, além da quitação de dívidas, para a compra de bens não duráveis e afins, como alimentação, contas de luz, água e combustível, aponta Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores. Ele projeta um crescimento de 1,4% na sua classificação para massa de renda ampliada em 2022.

A XP espera um crescimento da massa de renda real ampliada disponível às famílias neste ano de 1,2%. “Esse conceito ampliado disponível cresceu 4% em 2020, mesmo com a pandemia, devido ao auxílio emergencial – foram quase R$ 300 bilhões distribuídos pelo governo federal. Em 2021, houve a diminuição do auxílio, e esse conceito de massa caiu. Agora, vemos um crescimento moderado”, diz o economista Rodolfo Margato.

No relatório antecipado ao Valor, o Santander também ressalta que a medida fiscal “pode ser utilizada pelos trabalhadores para reduzir o endividamento das famílias, que vem aumentando nos últimos períodos”.

O Santander estima que o dado do Banco Central para o endividamento das famílias, disponível somente até novembro do ano passado, deve ter atingido 53,2% em dezembro de 2021.

Segundo Imaizumi, da LCA, a massa de renda do trabalho representa aproximadamente 80% da massa de renda total, enquanto programas como os ligados ao FGTS e o Auxílio Brasil representam, aproximadamente, em média, 2% cada dessa renda.

“São medidas relativamente bem-vindas – desde que dentro das regras fiscais, que não sejam pontuais e com outros propósitos, como políticos -, mas não mudam a regra do jogo”, afirma o economista.

Fonte: Valor Econômico