A concessão de crédito para compra de bens, a quem não tem o dinheiro necessário para comprá-los à vista, é tão mais viável quanto mais efetiva for a garantia. Ao credor interessa financiar a compra justamente porque o próprio bem adquirido constitui a garantia do negócio. Essa mesma garantia é justamente o que torna o custo do financiamento acessível ao devedor.
Mas o risco de que a garantia se perca, ou não seja encontrada, é um grande entrave à lógica ideal dessa operação de crédito. Além dos índices de inadimplência, as dificuldades de realizar as garantias certamente encarecem os juros dos financiamentos bancários.
A figura jurídica que retrata esse tipo de garantia é a alienação fiduciária. A instituição financeira, que concedeu o crédito para compra de um veículo, dele se torna a verdadeira proprietária, muito embora o carro mantenha-se na posse e sob o uso do devedor.
Quando o devedor se torna inadimplente, a sua obrigação é entregar o bem à instituição financeira, que deve necessariamente vendê-lo e reverter o preço da venda à quitação do financiamento. Se o devedor inadimplente não entrega a posse do veículo, a garantia fiduciária pode ser realizada por meio da ação judicial de busca e apreensão.
Não raro, as buscas judiciais são inócuas porque os devedores escondem os carros, esquivando-se da apreensão judicial.
Até 2014, quando a garantia não era localizada, o processo se convertia em ação de depósito, medida pouco eficaz ao credor: além de depender de uma sentença definitiva e de nova tentativa frustrada de apreensão do bem, a execução ainda era limitada ao valor do veículo não encontrado, normalmente depreciado em relação ao montante atualizado da dívida.
Menos mal que, no curso da ação de depósito, a qualquer momento poderia ser ordenada a apreensão da garantia posteriormente localizada pelo credor, conforme jurisprudência então recorrente (Agravo 22131406420158260000 do TJSP; Apelação 00038317620068260477 do TJSP; Agravo 10024056925183002 do TJMG).
Uma inovação legislativa de 2014 passou a permitir que, uma vez frustrada a localização dos bens alienados, a ação de busca e apreensão seja diretamente convertida em execução, para cobrança do valor integral da dívida mediante a penhora de outros bens do patrimônio do devedor (Lei 13.043/2014).
Mas nada há de impedir que, mesmo após convertido em execução, no processo seja ordenada a apreensão da garantia fiduciária que porventura venha ser localizada pelo credor. Interpretar em sentido oposto seria promover um enorme retrocesso.
Se no regime processual anterior, a busca e apreensão poderia ocorrer mesmo após convertida em ação de depósito, não faz o menor sentido adotar uma interpretação diferente no novo regime jurídico, como se o propósito da Lei nº 13.043/2014 pudesse ser distorcido.
Pela sua própria natureza jurídica, a garantia fiduciária traduz uma propriedade do credor, um direito que não pode ser prejudicado pela mudança do rito processual. Converter a busca e apreensão em execução absolutamente não significa renunciar à garantia fiduciária, nem tem o efeito de anular a prévia ordem liminar de busca e apreensão, sob pena de beneficiar quem propriamente frustrou o seu cumprimento, o devedor.
A conversão da busca em processo executivo não pode ser equiparada à preclusão do direito processual de levar a garantia fiduciária a efeito, ainda mais agora que o novo CPC expressamente confere ao juiz o poder de “determinar todas as medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (art. 139, IV).
O processo de execução, portanto, não é incompatível com a busca e apreensão de bens. E, mesmo que fosse, o fim precípuo de realizar a garantia fiduciária, para revertê-la à satisfação da dívida garantida, justifica a apreensão do bem localizado, pois a forma inadequada de um ato processual não é motivo para invalidá-lo quando a finalidade é alcançada, nos termos do artigo 277 do novo CPC.
Negar a apreensão dos bens alienados fiduciariamente, antes escondidos, só porque a busca e apreensão foi convertida em execução, seria comprometer a efetividade da garantia fiduciária, por conta de entraves processuais que não existem na legislação. Seria, ainda, premiar o devedor inadimplente, que, além de persistir na posse e sob o uso pacífico do bem, nem teria mais de se dar ao trabalho de escondê-lo.
Todo cuidado é pouco ao adotar interpretações processuais indiferentes à finalidade do direito material que está em jogo. Aquilo que compromete a efetividade da garantia fiduciária estimula a inadimplência e encarece os financiamentos. É inviável tanto para o credor como para o devedor. Só interessa aos maus pagadores.
Fonte: Blog Televendas