Endividamento excessivo limita retomada

A retomada da economia brasileira esbarra no nível elevado de endividamento do setor público e do setor privado. Empresas e consumidores acumularam débitos pesados nos últimos anos, o que limita a capacidade de investimento e de consumo, enquanto a escalada da dívida bruta vai exigir um esforço fiscal por longos anos. Esse excesso de endividamento acaba por dificultar a recuperação da economia, em recessão desde o segundo trimestre de 2014.

Números do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que a dívida do setor privado no Brasil pulou de quase 41% do PIB em 2008 para 68,5% do PIB em 2015, numa conta que inclui famílias e empresas não financeiras. Dessa alta de 28 pontos percentuais do PIB, 11 pontos ocorreram desde 2013, como nota em relatório Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs.

As empresas aumentaram o seu endividamento tomando empréstimos em grande volume no exterior, num ambiente marcado por juros baixos no mercado internacional, e também por uma política de crédito facilitada pelo ativismo dos bancos públicos brasileiros, avalia Ramos.

As empresas se encontram endividadas num momento em que a economia vai muito mal, derrubando os seus lucros. Os bancos, por sua vez, têm jogado na retranca. O crédito é escasso e caro, o que dificulta a vida das companhias. Além da situação financeira difícil, as empresas brasileiras vivem um quadro de grande ociosidade. Nesse ambiente, as perspectivas para o investimento não são animadoras. Grandes ampliações de capacidade instalada não devem ocorrer nos próximos trimestres. É provável que muitas companhias invistam primeiro na manutenção ou modernização de máquinas e equipamentos, sem recorrer a planos de expansão mais ambiciosos.

Os consumidores brasileiros também precisam digerir o elevado volume de dívidas contraídas ao longo dos últimos anos. Em agosto, o endividamento das famílias representava 43% da renda acumulada nos últimos 12 meses, segundo dados do Banco Central (BC). É um percentual um pouco inferior ao pico de mais de 46% registrado ao longo de vários meses do ano passado, mas é um número ainda alto. Em janeiro de 2005, quando a série do BC se inicia, o percentual era de apenas 18,4%.

Endividado e enfrentando a deterioração do mercado de trabalho, com desemprego em alta e renda em queda, o consumidor não será o responsável por puxar a retomada. Como o consumo tem peso de mais de 60% no PIB, é um fator que limita a retomada da atividade.

A situação das contas públicas também é delicada. Desde o fim de 2013, a dívida bruta subiu quase 20 pontos percentuais do PIB, pulando de 51,7% para 70,7% do PIB em setembro deste ano. Algumas projeções apontam que o indicador poderá alcançar a casa de 85% do PIB em 2018. São números preocupantes, muito acima da média dos outros emergentes, hoje na casa de 47% do PIB, segundo estimativas do FMI.

Essa trajetória do endividamento bruto deixa claro que a política fiscal terá de ser restritiva por vários anos, para que o país consiga estabilizar e depois reduzir a dívida como proporção do PIB. Nesse quadro, o projeto que limita a expansão dos gastos da União à inflação do ano anterior é uma iniciativa bem- vinda, por interromper o crescimento muito acima do razoável das despesas não financeiras registrado desde os anos 1990.

Para que o teto de gastos funcione, serão necessárias medidas como a reforma da Previdência e outras propostas que diminuam a rigidez do Orçamento. Além disso, é bem provável que algum aumento de impostos ocorra nos próximos anos, para que o país volte a gerar superávits primários um pouco mais rapidamente, de modo a pelo menos reduzir a velocidade de alta da dívida bruta.

Com juros no chão nos principais países desenvolvidos, tem havido boa vontade com a estratégia de ajuste gradual das contas públicas do governo. No entanto, se os juros nos EUA subirem um pouco mais rápido do que os analistas esperam, o humor dos investidores pode mudar, e a tendência de alta forte da dívida bruta pode trazer algum desconforto.

Todos esses fatores ajudam a entender a demora da economia em reagir. No terceiro trimestre, o PIB deve ter recuado mais uma vez, e as apostas de vários economistas são de nova queda ou estabilidade no quarto trimestre. A volta do crescimento, desse modo, deve ficar para 2017.

Um trunfo para mudar – ou pelo menos atenuar – esse cenário negativo é a redução dos juros. O BC iniciou o ciclo de queda da Selic no mês passado, e deve continuar a baixar a taxa nos próximos meses. Com grande ociosidade na economia, tende a surgir espaço para cortes expressivos dos juros ao longo do ano que vem, desde que a inflação siga em queda e a agenda de medidas fiscais tenha avanços significativos. Há quem acredite na possibilidade de a Selic, hoje em 14% ao ano, cair abaixo de dois dígitos antes do fim de 2017, como o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. A contenção dos gastos públicos e do crédito dos bancos oficiais, num quadro de atividade econômica fraquíssima, pode permitir uma queda inédita dos juros, avalia ele.

Juros significativamente mais baixos ajudariam a aliviar a situação financeira de empresas e consumidores, além de melhorar o quadro fiscal. Um tombo dos juros, porém, só deverá ocorrer se a inflação efetivamente mostrar que vai convergir para a meta de 4,5% e se houver progressos palpáveis no ajuste fiscal. Se essas duas condições não se concretizarem, o BC tende a abreviar o ciclo de cortes da Selic. A possibilidade de real coordenação entre a política monetária e a política fiscal, contudo, aumenta as chances de que os juros caiam enfim para níveis civilizados, e de modo sustentado. Num quadro complicado como o atual, é um aspecto positivo.

Fonte: Blog Televendas