A sinalização feita pelo Banco Central de que os cortes na taxa Selic ocorrerão em ritmo mais lento do que o esperado é encarada como um balde de água fria sobre o mercado de crédito, mas não seria o único componente a emperrar a recuperação do setor. Do lado da oferta de crédito, analistas avaliam que riscos embutidos nas operações e não captados pelos indicadores comuns de inadimplência – representados pelo forte movimento de renegociação de dívidas – acenderam o sinal de alerta dos bancos e ainda têm fôlego para impor maior deterioração ao segmento antes de uma eventual retomada.
Estudo da MCM Consultores indica que a inadimplência auferida pelas instituições financeiras seria distinta daquela efetivamente contida nas estatísticas, pois estas não levariam em conta o movimento de renegociação de dívidas. Dessa forma, a queda da taxa Selic, ainda que em menor magnitude do que o esperado, poderia ter um efeito positivo sobre um dos componentes do juro bancário, a taxa de captação dos bancos, mas não sobre o segundo componente, o spread.
“Como o risco real das operações ainda é elevado, afetando os spreads, a queda da Selic provavelmente não vai ser repassada às taxas de juros dos empréstimos na intensidade que poderia, de forma a aumentar o volume dos empréstimos no ano que vem”, diz a economista da MCM, Sarah Bretones.
Estimativas da consultoria apontam que uma redução de 100 pontos-base na Selic teria quase o dobro de efeito na taxa média de pessoas físicas e jurídicas – o que, segundo Sarah, o risco elevado pode impedir, sobretudo entre pessoas físicas.
Segundo a MCM, no caso das pessoas jurídicas, a inadimplência efetivamente observada nos últimos meses conseguiria explicar bem a alta dos spreads cobrados pelos bancos. O problema maior ocorreria com as famílias, em que a inadimplência seria “camuflada” pelo aumento das renegociações do período. É especialmente neste grupo que o repasse da Selic menor para os juros dos empréstimos estaria mais comprometido pelo ainda elevado risco das operações.
O Banco Central não divulga números relativos à renegociação de dívida nos dados mensais de crédito. Mas no Relatório de Estabilidade Financeira divulgado em setembro é possível acompanhar a trajetória das renegociações nos últimos dois anos. Entre as empresas, as renegociações avançaram um pouco mais de dois pontos percentuais entre junho de 2014 e junho de 2016, chegando a 7,12% do total de crédito do sistema. Já entre as famílias, a alta foi de quase quatro pontos no período, para 11,26% do total de crédito.
O BC observa que a inadimplência vem apresentando uma reversão ao longo do ano que, na maioria das vezes, não se sustenta nos meses subsequentes. E a explicação para o movimento estaria justamente no fluxo mensal de reestruturação de dívidas mais intenso no primeiro semestre de 2016 se comparado a períodos anteriores, tanto no segmento público quanto no privado.
Segundo o BC, um ajuste da inadimplência contando as operações objeto de reestruturação de dívidas teria aumentado em 0,9 ponto percentual os calotes do primeiro semestre, que teriam chegado em 4,4% – em comparação aos 3,5% efetivamente registrados. Em outubro, porém, a inadimplência do sistema piorou e chegou a 3,9%. A percepção dos analistas é que o movimento de renegociação pode também não ter arrefecido.
Claudio Gallina, diretor responsável por instituições financeiras da Fitch, diz que as renegociações têm aumentado significativamente nos bancos, principalmente depois de 2014 e 2015, com mudanças de patamar de risco, de empresas antes consideradas excelentes, para risco de recuperação judicial. “Claro que tem o efeito da renegociação. Dependendo de como o banco faz isso, ele nem precisa necessariamente constituir mais provisão para o crédito”, diz.
Segundo Gallina, é muito provável uma redução real do crédito em 2017, influenciada pelo mercado de trabalho, que só deve reagir em 2018, e também pelo período eleitoral. Mas, segundo ele, outras questões estruturais também devem impor limites aos empréstimos, como a própria redução da demanda.
A 4E Consultoria também espera que a retomada do crédito será mais lenta, em meio tanto à cautela dos bancos quanto dos tomadores, principalmente famílias. “Este quadro de demanda retraída somada a uma oferta que é, no mínimo, mais seletiva, deve impedir uma retomada mais intensa do crédito mesmo após a recuperação da economia”, diz o economista Bruno Lavieri. A 4E projeta estabilidade para o saldo real de crédito em 2017. Já a MCM espera alta nominal de 5,3% para as concessões feitas à pessoa física e de 8,4% para as empresas, o que significa alta real para esse segmento um pouco melhor.
Fonte: Valor Econômico