O ano de 2016 acabou, mas ao analisar os dados de concessões de empréstimos e verificar que os mesmos retornaram a níveis de 2008 para as pessoas físicas e 2003 para as empresas (descontando a inflação e os efeitos da sazonalidade), já podemos afirmar que trata-se de um dos piores anos dos últimos tempos.
A tendência do mercado de crédito corporativo tem uma grande correlação com o ciclo econômico. Os fatores que ajudam a explicar a inadimplência das empresas, naturalmente idiossincráticos – estrutura de capital, rentabilidade e liquidez – são de suma importância para a análise. Porém, não podemos ignorar a influência de variáveis macroeconômicas que, em última instância, afetam inclusive as características microeconômicas de cada empresa.
No texto “Trabalho para Discussão do Banco Central nº 304″, em 2013, Jaqueline Terra Moura e Myrian Beatriz Eiras concluem que a inclusão de variáveis macroeconômicas melhora substancialmente a qualidade dos modelos que buscam prever a inadimplência no setor corporativo. O estudo, que utilizou dados coletados entre 2005 e 2010, abrangendo 61.232 empresas, mostra que 1% adicional na taxa de crescimento do PIB, por exemplo, reduz a probabilidade de inadimplência das empresas dois trimestres à frente em 6%. Analogamente, uma redução em 1% da inflação, medida pelo IPCA, reduz a probabilidade de inadimplência dois trimestres à frente em 4%.
Tendo estes números em vista, não é de se surpreender que as empresas passem por um momento extremamente desafiador. Nos quatro trimestres de 2014, o crescimento foi declinante, com expansão anual de 0,50%. No ano de 2015, a sequência de quedas perdurou e o PIB apresentou contração de 3,85%. Em 2016, a queda acentuou-se, encerrando o terceiro trimestre do ano com contração de 4,4% e registrando o sétimo resultado trimestral negativo em sequência.
Em paralelo, o índice de inflação IPCA, utilizado para correção monetária de componentes dos custos e de parte das dívidas de companhias, acumula alta de 24,8% no triênio que vai de 2014 a 2016. A inflação alta, em conjunto com uma forte e rápida desvalorização cambial no ano passado, além de uma taxa de juros extremamente elevada, pressionou fortemente as despesas financeiras das empresas, que apresentaram alta de aproximadamente 30% nos últimos doze meses.
Com baixo crescimento de receita, parte da estrutura de custos indexada a uma inflação elevada e grandes despesas financeiras, diversas empresas se viram obrigadas a renegociar dívidas com credores. Estouros de “covenants” de alavancagem e rebaixamento de ratings foram temas recorrentes.
O que presenciamos nos últimos 12 meses foi a verdadeira tempestade perfeita para o setor corporativo. Aliado à fraqueza dos balanços, o crédito tornou-se escasso. Setores com fácil acesso ao mercado de capitais, como o elétrico e o de concessões rodoviárias, se viram na necessidade de alienar garantias, encurtar prazos e triplicar o spread em suas captações. A consequência desse desastre foi a explosão do número de recuperações judiciais, que cresceram 51% entre janeiro e novembro deste ano, quando comparado ao mesmo período de 2015. O número impressiona: 1.718 ocorrências até novembro.
Entre as pessoas físicas, o nível de taxa de juros e o já elevado comprometimento de renda das famílias têm contribuído para a fraca demanda. Pelo sexto trimestre consecutivo, todos os componentes da demanda interna apresentaram resultado negativo na comparação com igual período do ano anterior. Destaque para a sétima queda seguida do consumo das famílias (-3,4%). Aliado à fraca demanda, o setor bancário vem reduzindo as concessões de crédito livre numa velocidade jamais vista. O medo da inadimplência faz com que os spreads continuem em alta e impede a volta dos recursos para o sistema. Nos últimos 12 meses, cerca de R$ 1 trilhão deixaram de circular na economia. O volume de crédito que gira hoje na economia é equivalente ao disponível em 2012 (deflacionado).
Há, porém, uma luz no fim do túnel. A inflação enfim começa a ceder, o que permitiu que o Banco Central do Brasil iniciasse um ciclo de queda dos juros que deverá ser longo e possivelmente com uma taxa terminal de um dígito, fato que trará um grande alívio para o balanço das empresas. Além disso, reconhecendo a profundidade da crise instalada no país e da real situação das empresas, o governo recentemente anunciou um pacote de medidas microeconômicas que busca estimular a economia, dentre elas a possibilidade de empresas com prejuízos fiscais parcelarem suas dívidas com o fisco.
Este foi apenas o primeiro passo de uma longa jornada, que precisará avançar ainda sobre temas como a flexibilização das leis trabalhistas e a simplificação tributária.
A boa notícia é que, quando o país voltar a crescer, as empresas que sobreviverem estarão muito bem posicionadas para surfar o ciclo econômico positivo, pois terão feito o dever de casa necessário para atravessar a mais longa crise vivida no país, cortando custos e se tornando mais eficientes. O desafio é mostrar à sociedade o quão grave é a situação corporativa, suas consequências para a geração de empregos e a necessidade das reformas estruturais nos âmbitos macro e microeconômicos. É hora de todos saberem onde estamos.
Fonte: Blog Televendas