Tribunal nega bloqueio de passaportes de devedores

Medidas coercitivas de pagamento, como o bloqueio da carteira de motorista e do passaporte de devedores – aplicadas com frequência pela primeira instância – têm sido barradas nos tribunais. De quatro julgamentos das Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), somente um autorizou a restrição no fim do ano passado.

Ainda assim porque o caso analisado envolvia dívidas relacionadas a um acidente de trânsito e a desembargadora que julgou a matéria entendeu haver relação entre o fato e a medida aplicada (bloqueio da CNH). Nas demais situações, os magistrados afirmaram que tais restrições ferem o direito de ir e vir das pessoas, previsto na Constituição Federal.

“O devedor responde com seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações e não com a sua liberdade pessoal”, afirmou o relator de um dos casos na 37ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, desembargador Israel Góes dos Anjos. O entendimento foi seguido pelos outros dois magistrados que também votaram a matéria.

Esse processo envolveu uma instituição financeira e os sócios de uma empresa do setor náutico. O banco alegava que a execução havia sido instaurada em 2008, com saldo de quase R$ 2 milhões, e diversas “tentativas infrutíferas de bloqueio de ativos”. Sustentava ainda “evidente dilapidação de patrimônio” pelo devedor para não arcar com os débitos.

Em um outro caso, negado pela 13ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, um instituto de educação utilizou argumentos parecidos para tentar o bloqueio do passaporte e também do visto de permanência nos Estados Unidos de um de seus devedores. Os desembargadores entenderam que as medidas não eram razoáveis para alcançar o fim pretendido.

Esse tipo de demanda é recente no Judiciário e, principalmente, na segunda instância. Advogados começaram a pleitear a aplicação de medidas restritivas a devedores pouco depois de o novo Código de Processo Civil (CPC) entrar em vigor, em março do ano passado. A base desses pedidos é o inciso 4º do artigo 139, que ampliou os poderes dos juízes.

O dispositivo passou a permitir o uso de todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias” necessárias ao cumprimento de suas decisões. Advogados interpretaram que, com exceção à prisão civil – permitida apenas nos casos de dívidas por pensão alimentícia -, não havia nada que limitasse as restrições de direito dos devedores.

A estratégia, porém, serviria a casos excepcionais: depois de tentadas todas as formas tradicionais de cobrança e unicamente aos que tentam esconder ou desviar patrimônio para não pagar o que devem. Na primeira instância de todo o país há decisões nesse sentido.

“Mas sabia-se que quando chegasse nos tribunais, essa questão seria mais aprofundada”, diz André Mendes, especialista em processo civil e sócio do setor cível empresarial no escritório L.O. Baptista. “Em linhas gerais, estamos vendo que há uma tendência de o tribunal de São Paulo, especialmente nas câmaras de Direito Privado, de restringir essas medidas coercitivas em absoluto”, acrescenta.

Não se pode dizer o mesmo, no entanto, quando o caso envolve dívida pública. Ao utilizar argumentos semelhantes aos usados pelos credores privados, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) conseguiu decisão favorável para bloquear tanto a CNH como o passaporte de ex-funcionários de um município do interior paulista que haviam sido condenados por improbidade administrativa.

Pesou, nesse caso, o fato de a dívida ter origem em uma ação de condenação por improbidade. “Ao invés de estarmos diante de um interesse patrimonial privado, o que se tem é o interesse público, que demanda uma tutela adequada à sua grandeza”, afirmou o desembargador Rubens Rihl, da 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, em decisão monocrática sobre a matéria.

O desembargador levou em consideração ainda os tempos atuais, “em que os abusos são tão recorrentes e as práticas ilícitas tão sofisticadas”. Para ele, justificam-se os “cuidados adicionais para assegurar a proteção do patrimônio público”.

Para o advogado Daniel Amorim Assumpção Neves, sócio do escritório Neves, Rosso e Fonseca, ainda é cedo para afirmar que existe uma tendência do tribunal para qualquer que seja o entendimento: a favor ou contra as medidas restritivas. “São poucas decisões e algumas ainda monocráticas”, diz

Ele pondera que a aplicação dessas medidas não deveriam ter relação com a natureza da dívida – se pública ou privada. Assumpção Neves defende o uso desses métodos, mas desde que sigam os requisitos necessários. “Não é uma medida para aqueles que não têm bens e que não há no processo indícios de que estejam maquiando patrimônio”, afirma.

Fonte: Blog Televendas