Juro em novo parcelado do cartão deve ficar acima de linha atual

A nova linha oferecida aos consumidores que usarem o rotativo do cartão de crédito além de 30 dias vai custar acima dos 154% cobrados, em média, no crédito parcelado hoje existente no cartão, admitem fontes. A razão para isso, apontam executivos de bancos, é o risco de crédito do tomador, bem superior ao daquele cliente que hoje utiliza o parcelamento com juros no cartão.

Os maiores bancos, no entanto, ainda não fecharam as taxas e, cautelosos em não frustrar a expectativa anunciada pelo governo, executivos da área de cartões dizem os preços das linhas tenderão a se aproximar. Para um executivo de um grande banco, taxas muito acima do parcelado atual serão “casos pontuais”. A visão, no entanto, não é ponto pacífico.
A partir de 3 de abril, quem usa o rotativo do cartão – ou seja, quem paga algo acima de 15% e abaixo de 100% da fatura – e que costuma lançar mão desse expediente por um período acima de 30 dias terá como alternativa quitar o débito ou aceitar uma linha parcelada a ser oferecida pelo banco, como determina a nova regulamentação. Fora desses dois casos, o consumidor será considerado inadimplente.

Embora o parcelamento da dívida do rotativo ofereça maior previsibilidade ao tomador, podendo ajudá-lo a organizar melhor seu fluxo de pagamentos e mitigando o risco, há outros pontos a ser considerados em uma conta na qual a margem de manobra dos bancos não é pequena. Tudo o que diz a nova regulação é que a linha deve ser oferecida em “condições mais vantajosas” do que o rotativo, cuja taxa média é de 484,57% ao ano. Ou seja, o regulador deixa um intervalo bastante amplo para se fixar a taxa da nova linha.

Hoje, o teto do parcelado oferecido pelos maiores bancos ronda 200% ao ano, mas há taxas bem abaixo disso para tomadores considerados triplo “A”, de menor risco. A questão é que, nas linhas hoje existentes, a decisão de parcelar a fatura é tomada de modo consciente e estruturado pelo consumidor. Com a mudança, o parcelamento vai se tornar uma imposição a um cliente que já tinha um perfil de risco mais arrojado. A carteira do parcelado do cartão tem inadimplência de 1,14%, enquanto no rotativo chega a 37%.
“No parcelamento automático corre-se o risco de o perfil de pagamento desse cliente ser diferente do parcelado atual”, reconhece um executivo do setor. Outra fonte a par das discussões se opõe a esse entendimento ao dizer que o setor busca um novo patamar de equilíbrio. “Se o setor caminhar para taxas maiores no novo parcelado, volta a seleção adversa e o equilíbrio não será muito diferente do que seria hoje. Não vejo uma probabilidade alta desse movimento acontecer com elevação de taxas parceladas.”

As tarifas, contudo, não são o único ponto de atenção do setor de cartões, que se preocupa especialmente com o cliente que hoje usa o rotativo, mas de modo bastante controlado, quase como uma gestão emergencial de caixa. Segundo fontes, uma parcela significativa dos clientes do rotativo tem um comportamento de quitação elevada, de 40% a 60% da fatura, com algo ao redor de dois ou três meses para quitá-la.
Na nova configuração, esses clientes – que antes poderiam permanecer no rotativo indefinidamente – serão considerados em atraso, o que, segundo o setor, exige um plano especial de comunicação. “A última coisa que queremos é que o cliente confuso deixe de usar o cartão”, diz uma fonte ligada ao setor.

É uma espécie de consenso que o desafio de comunicação é gigante. Um exemplo disso é ter que explicar ao cliente que uma parte do saldo no rotativo por mais de 30 dias vai ser parcelada, mas compras feitas depois disso, a depender do limite do cartão, ainda podem entrar no rotativo. E toda a informação terá de constar na fatura do cartão de uma maneira clara.

A Associação Brasileira das Empresas de Cartões (Abecs) vem fazendo reuniões para organizar alguns aspectos do novo modelo, como a padronização mínima de alguns elementos da fatura. Essa padronização, no entanto, não valerá para o novo produto parcelado, cujos preços e prazos são parte da estratégia comercial de cada banco.
Rodrigo Cury, superintendente executivo de cartões do Santander, diz que o banco faz uma série de cálculos para entender qual seria o preço adequado para os clientes de um parcelado. “Falo com transparência que hoje os preços dos meus parcelados já têm toda uma base científica por trás, logo há uma tendência a aplicar taxas de juros parecidas com as que eu tenho”, diz. No Santander, as taxas do produto parcelado convencional variam de 5% a 10,5% ao mês, o equivalente a 80% a 220% ao ano.
Cesário Nakamura, diretor da Bradesco Cartões, acredita em taxas menores para o novo produto, cuja inadimplência, diz, será inferior à do rotativo. No Bradesco, o parcelado atual tem taxa entre 3,1% e 10% ao mês para correntistas (entre 45% e 200% ao ano).

Para Nakamura, é importante que o cliente entenda que, se não fizer o pagamento do parcelamento, entrará em atraso. O executivo afirma que o Bradesco vai redesenhar a fatura de modo que fique claro para o cliente que será preciso pagar o valor da parcela para afastar a inadimplência. Paralelamente ao desenvolvimento de sistemas, o banco prepara material explicativo que deve começar a circular no fim de fevereiro.

 No geral, os bancos reconhecem que a mudança não é trivial e dará origem a um sistema diferenciado de pagamento de cartões. Ninguém duvida que em menos de dois meses, a partir de 3 de abril, o novo sistema estará rodando. Mas, como admite um executivo, “certamente não sem alguma confusão”.

Fonte: Valor Econômico