Em 2003, logo que me mudei para os EUA, solicitei um cartão de crédito no banco em que trabalhava. Foi negado. Ironicamente, eu era responsável pela gestão de risco desse portfólio para América Latina, e o meu foi considerado excessivamente alto para que tivesse direito a uma simples linha. O fato me custou uma série de emails e telefonemas até que finalmente obtive o produto. Uma canseira. Não fosse eu funcionário da instituição credora, meus esforços teriam sido em vão.
Não foi uma situação isolada. Também para conseguir um celular, fui obrigado a deixar um depósito equivalente a mais de uma mensalidade. Nada de plano pós-pago a quem tem alto risco de inadimplência.
Nos EUA, sem um bom histórico de crédito, você se torna um pária. E construí-lo não ocorre do dia para noite. Aos novos entrantes no sistema, como eu naquela época, recomenda-se tomar um empréstimo, mesmo que pagando caro por isso, e mantê-lo em dia. O meu caso foi emblemático: capitalizado para comprar um carro à vista, financiei uma parte do valor do auto para pavimentar minha história.
Eis um ambiente onde cada cidadão tem plena consciência do poder e relevância do seu ‘credit score’ (pontuação de crédito), uma informação impregnada no DNA da cultura americana. Se você estiver abaixo de 620-650 em uma escala de 0 a 850, por exemplo, pertencerá ao afamado e discriminado segmento ‘sub-prime’, com maior risco de calote, e somente terá acesso a crédito com juros mais altos. Por outro lado, com mais de 750 pontos, você será alvo constante das instituições financeiras, com ofertas tentadoras dos mais variados produtos a juros muito convidativos, inimagináveis ao selvagem ambiente tupiniquim.
Em dois anos, meu score atingiu 740, e mesmo ainda não sendo parte da ‘nata’, era inundado semanalmente com as mais diversas promoções. É difícil resistir, por mais que você tenha crescido em um lugar onde tomar crédito é quase sinônimo de crise financeira.
O PIB americano é de US$ 18 trilhões, e o crédito total chega a 166% desse valor, ao redor US$ 30T, dos quais aproximadamente US$ 11.5T são dedicados ao consumidor. Para se ter uma noção da grandeza desses números, o PIB nomimal brasileiro é de US$ 1.6 trilhões. O impacto do crédito na economia americana é algo fenomenal, constituindo-se em um dos seus principais catalisadores.
Esse fenômeno só é possível pela presença de três elementos essenciais em mercados maduros: livre compartilhamento das informações financeiras, transparência e consciência dos consumidores.
O compartilhamento e a transparência são viabilizados pelo cadastro positivo, banco de dados que contempla além das tradicionais informações negativas, também as positivas, que incluem o histórico de pagamentos em dia realizados pelos consumidores nos mais variados tipos de conta. Lá no norte do mundo não existe o excesso de proteção que tanto mal causa ao Brasil (onde as leis nos protegem até da nossa imagem no espelho).
Não menos importante é a consciência do consumidor em relação ao seu risco de crédito. Nos EUA, todos conhecem os mecanismos que podem melhorá-lo ou deteriorá-lo e clientes devidamente municiados pela informação de seu score são capazes de transferir seu relacionamento bancário por uma diferença de 0.5% ao ano na taxa de juros.
A presença desses três elementos fortalece imensamente o poder de barganha do consumidor em seu relacionamento com os bancos. Nem preciso dizer que infelizmente ainda engatinhamos nesse assunto por aqui.
O compartilhamento e a transparência são parcialmente efetivos no Brasil, que conta com um robusto sistema de informações negativas, mas ainda carece de completude no cadastro positivo, cuja lei, em vigor há quase cinco anos, é daquelas jabuticabas criadas para não dar certo. Na mira do Ministério da Fazenda e do Banco Central, é possível que tenhamos boas novidades sobre o tema em futuro próximo, mas esse é uma ‘conversa’ a ser tratada em outro texto.
Na semana que passou, a Serasa Experian disponibilizou gratuitamente o score do consumidor em seu site (www.serasascore.com.br) para livre acesso daqueles que desejam saber sua pontuação, fornecida a partir do número do seu cpf, com um processo muito simples de autenticação. Ela varia de 0 a 1000, parecido com sua congênere americana, e os consumidores podem ser agrupados inicialmente em três grupos (baixo risco > 700, médio risco entre 400 e 699 e alto risco < 400). A iniciativa é histórica e tem o objetivo de massificar o conhecimento do score por parte da população. Espera-se que seja um ponto de inflexão no relacionamento do consumidor brasileiro com o crédito.
Clientes que tenham aderido ao cadastro positivo terão essas informações consideradas em seu score, o que provavelmente irá melhorá-lo. É importante destacar também que as instituições financeiras podem utilizar outras informações exclusivas e desenvolver sua própria pontuação, diferente da que é fornecida pela Serasa, mas ambos os indicadores tendem a convergir.
E por que tamanha importância dada a um número? Ao ser informado de sua pontuação, o consumidor se apodera de uma informação que era somente de conhecimento dos credores. Ciente de sua posição relativa, terá elementos para avaliar se a precificação dos produtos que lhe oferecem está adequada. Se considerá-la injusta, poderá buscar outras instituições, com embasamento conceitual antes indisponível. Conhecendo os mecanismos que aprimoram seu score, será estimulado a adotar um padrão de comportamento mais prudente em relação à sua vida financeira, beneficiando todo sistema.
Está claro que a massificação dessa informação é capaz de produzir um ciclo virtuoso na indústria de crédito nacional. Por isso, consulte, monitore e aprimore seu ‘score”. Estimule seus amigos a também fazê-lo. Trata-se de um inédito e importante passo para a transformação do mercado brasileiro e pela primeira vez o consumidor será protagonista dessa história.
Fonte: Blog Televendas