Enquanto o crédito no país passa por uma contração histórica como consequência da crise, uma outra linha não para de crescer no balanço dos bancos brasileiros: a das dívidas renegociadas. O saldo de empréstimos que tiveram o prazo ou as condições modificadas alcançou R$ 341 bilhões no fim de 2016, alta de 34% no ano, de acordo com dados do Banco Central.
O volume é recorde e representa 11% do saldo total de crédito no país, que encerrou o ano passado em R$ 3,1 trilhões — queda de 3,5%. Nas linhas para pessoas físicas, de cada R$ 100 em créditos, aproximadamente R$ 12 passaram por algum tipo de refinanciamento, de acordo com o BC. Na carteira de empresas, os refinanciamentos representam 9,7% do total.
O BC inclui nessa conta tanto as renegociações convencionais, que envolvem o alongamento de prazos, troca de modalidades e revisão de custos, como as chamadas operações reestruturadas – quando a instituição financeira abre mão de parte do principal e não só dos juros.
Apesar do aumento, os bancos veem a situação sob controle. Em tempos de crise, renegociar dívidas virou parte até de estratégia de marketing. O Santander colocou recentemente no ar uma campanha na qual informa ter promovido renegociações com mais de 1 milhão de clientes. A iniciativa em muitos casos partiu do próprio banco, que telefonou para os devedores apresentando condições mais favoráveis, de acordo com a propaganda. “Quanto antes identificamos o problema com o crédito, mais fácil resolvê-lo”, afirma Antonio Pardo de Santayana Montes, vice-presidente executivo de riscos do Santander.
Outras instituições também investiram para estimular o processo de renegociação. O Banco do Brasil (BB) criou um portal na internet específico para esse tipo de operação, que desde 2014 já refinanciou R$ 4,14 bilhões, entre dívidas de pessoas físicas e pequenas e médias empresas.
No total, a carteira de créditos renegociados dos quatro maiores bancos de capital aberto – Itaú Unibanco, BB, Bradesco e Santander – aumentou 21% no ano passado, para pouco mais de R$ 80 bilhões, de acordo com informações dos balanços. “As carteiras refinanciadas cresceram e precisam ser acompanhadas de perto, mas a reação dos bancos brasileiros em geral surpreendeu positivamente”, afirma o executivo do Santander. Ele compara o momento atual do país ao vivido na Europa, onde o aumento da inadimplência que se sucedeu à crise financeira provocou sérios problemas para os bancos da região.
As operações de refinanciamento de dívidas se acentuaram no país a partir de 2015. Empresas que tiveram recuo na receita em consequência da queda nas vendas viram o endividamento se multiplicar em relação à geração de caixa, tornando o serviço da dívida impagável. O mesmo ocorreu com as pessoas físicas que perderam o emprego e, junto com ele, a capacidade de honrar as prestações dos financiamentos.
Em alguns casos, nem mesmo o alongamento de prazos e a concessão de um prazo de carência foram suficientes para evitar o calote. A incorporadora PDG Realty entrou com pedido de recuperação judicial pouco mais de seis meses depois de obter um acordo com os bancos credores, que previa até a liberação de dinheiro novo para a companhia.
O grande receio de parte dos analistas é o de que os bancos estejam apenas “pedalando” dívidas que não serão pagas mesmo em condições mais amigáveis. “Acreditamos que os bancos tenham adotado essa estratégia com o intuito de preservar os retornos em 2016 e alcançar suas metas de lucro anuais; porém, ela apenas adiará a deterioração na qualidade dos ativos”, escreve a agência de risco S&P Global, em relatório.
Os bancos não promovem as renegociações apenas para ajudar seus clientes. As operações ajudaram a conter a alta nos índices de inadimplência em meio à crise. A taxa de financiamentos em atraso fechou 2016 em 3,7%, pouco acima dos 3,4% registrados um ano antes, segundo o BC.
O próprio Santander destacou em sua publicidade que o refinanciamento das operações com os clientes ajudou o banco a ter uma inadimplência menor que o dos concorrentes privados. Mas analistas afirmam que a inadimplência, por si só, não é a melhor forma de comparar a qualidade dos ativos dos bancos.
Para dar uma dimensão mais ampla do tamanho do risco do crédito no país, o BC trouxe um novo indicador em seu Relatório de Estabilidade Financeira mais recente: o índice de “ativos problemáticos”. A medida vem sendo desenvolvida globalmente pelo Comitê de Basileia.
O modelo brasileiro de ativos problemáticos engloba os financiamentos em atraso há mais de 90 dias, as operações de crédito reestruturadas e as classificadas entre os níveis de risco “E” e “H”, que exigem maior provisão. Os créditos reestruturados passam pelo que o Banco Central chama de “período de cura” de doze meses. Em média, cerca de 30% dessas operações voltam a atrasar.
Por esse cálculo, o estoque de ativos problemáticos no sistema financeiro subiu de 6,42% para 7,94% no ano passado, um avanço bem maior que o do índice de inadimplência convencional. No curto prazo, o BC espera que a exposição a esses ativos mantenha tendência crescente, principalmente pelo aumento dessas operações na carteira de crédito a empresas.
Quando os processos de renegociação começaram, já havia uma expectativa de piora na economia, mas a recessão acabou se revelando mais severa e longa do que o inicialmente esperado. Por isso, já é dado como certo nos bancos que parte das dívidas terá de passar por uma nova rodada de renegociação.
Mas depois do crescimento nos últimos dois anos, a carteira está perto de atingir o pico, segundo o diretor de um grande banco de varejo. “As novas safras de créditos renegociados já têm registrado um desempenho melhor”, afirma.
Os indicadores também sinalizam que a situação tende a melhorar. Do lado das empresas, o número de pedidos de recuperação judicial caiu de 409, no primeiro trimestre do ano passado, para 322 nos três primeiros meses de 2017, de acordo com a Serasa Experian. A queda da Selic também reduz o peso do endividamento sobre as companhias, em especial as de maior porte.
Para o BC, o aumento dos ativos problemáticos não representa ameaça para a estabilidade financeira porque os bancos já contabilizaram as perdas para a maior parte das operações. No fim do ano passado, os bancos tinham provisões sobre 83% do total dessa carteira.
Fonte: Blog Televendas