Um medo capaz de atrapalhar o currículo

Recusar intercâmbio por receio de não se adaptar pode atrasar crescimento profissional

 

Pedro Leite e
Leonardo Pinto
ESPECIAL PARA O ESTADO
Segurança, fazer novos amigos e saudades de casa são os três principais fatores que tiram o sono de estudantes ao redor do mundo quando o assunto é intercâmbio, segundo pesquisa realizada pela AFS Intercultural, organização sem fins lucrativos que promove programas de estudo no exterior. Cerca de 5 mil adolescentes de 27 países foram entrevistados e, entre os brasileiros, as maiores preocupações são conciliar estudos e tempo livre, adaptação à nova cultura, e segurança.

Segundo a AFS, com sede em Nova York, nos Estados Unidos, os ataques terroristas na França e na Alemanha em 2016, ano em que a pesquisa foi realizada, aumentaram os temores dos entrevistados em relação à segurança, mencionada por 52% do total de entrevistados em todo o mundo. Mesmo entre os brasileiros, acostumados a ver na TV cenas de combate com o crime organizado em áreas de conflito, chama a atenção que 53% apontaram a segurança como motivo de preocupação.

A estudante de jornalismo Maria Silva se encaixa no grupo de jovens que tem receio de estudar na Europa por causa dos ataques terroristas. A carioca de 21 anos reavaliou a ida o continente para fazer um curso de pós-graduação após considerar esse risco, mesmo sabendo que uma experiência internacional e a fluência em um segundo idioma são cada vez mais valorizadas pelas empresas.

“Eu tenho muito interesse em ir para a França fazer mestrado, mas fico receosa com a questão do terrorismo, afinal, ninguém quer ir para o meio do olho do furacão”, conta. Os Estados Unidos eram sua segunda opção de intercâmbio, mas a chegada de Donald Trump à presidência também a desestimulou.

Segundo Maria, as políticas anti-imigratórias do republicano e suas investidas militares espantam quem está à procura de qualificação no exterior. “Quero uma bolsa de estudos numa faculdade de lá, mas fico receosa em apostar no país e ele entrar em guerra. Sem falar na questão da xenofobia”, afirma.

Os programas de intercâmbio estimulam as chamadas competências interculturais dos viajantes. Eles devem  identificar possíveis pontos de atrito e desenvolver estratégias para superação de conflitos e de conexão com o outro, apesar das diferenças – uma atitude também valorizado por recrutadores.

Diferença cultural. “A preocupação é desenvolver as competências necessárias para navegar nesse ambiente. Nós brasileiros, por exemplo, tendemos a ter um tipo de comunicação mais circular, o que causa um estranhamento quando nos deparamos com pessoas que tem um estilo de comunicação muito direto. Aí acabamos achando que a pessoa simplesmente é rude”, diz Andreza Martins, diretora da AFS no Brasil.

Ela acrescenta que, para dar mais tranquilidade em relação à segurança, os jovens são orientados a observar o ambiente onde estão. “Só porque vivemos em um país com um nível de violência maior, não devemos achar que nada vai acontecer. A orientação é não baixar a guarda”, afirma.

De acordo com Andreza, a maior frequência dos atentados nos últimos anos gerou um aumento da procura por modalidades de intercâmbio mais seguras. “Há mais adultos procurando ficar com famílias, por exemplo, porque são acrescentadas camadas de segurança. Você não fica sozinho como um turista simplesmente, mas sim inserido em uma comunidade na qual as pessoas estão atentas ao que está acontecendo.”

A carioca Ana Ferreira, estudante de administração, de 23 anos, estava fazendo intercâmbio em Stuttgart, na Alemanha, e foi visitar Berlim um dia após o atentado ao mercado de Natal da capital alemã, que deixou 12 mortos em dezembro de 2016. Essa atividade estava anteriormente marcada.

“O terrorismo era o que eu mais temia. Sempre evitava aglomerações, inclusive, em Stuttgart. Era bem assustador e evitei a feira de Natal em Berlim”, revela Ana. Mas apesar do incidente, diz ter gostado da experiência de estudar em outro país.

Em março de 2015, Ana Flávia Gama, estudante paulistana hoje com 19 anos, sentiu o clima de pânico na Bélgica, quando houve as explosões em um aeroporto e um metrô de Bruxelas. “Estava na sala de aula quando aconteceu. Todo mundo estava desesperado e o clima era muito pesado. A agência chegou até a cogitar mandar os estrangeiros de volta”, conta Ana, que estudou em uma cidade nos arredores de Bruxelas.

Segundo a jovem, a sensação de medo durou algumas semanas, mas tudo voltou ao normal e o intercâmbio acabou valendo a pena. “Foi o melhor ano da minha vida. Até esses ataques me ensinaram muitas coisas. Por causa dessa viagem, vou prestar turismo no vestibular deste ano, e ainda pretendo me mudar para lá.”

Na pesquisa que mapeou os receios dos estudantes, os brasileiros afirmaram que encontrar o equilíbrio entre o trabalho escolar e o tempo livre para descobrir o novo país e a cultura é a principal preocupação, indicada por 59% dos entrevistados. A inserção cultural no exterior surge em seguida, com 57%.

A publicitária Giulia Quintanilia tinha 16 anos quando começou a buscar oportunidades para estudar inglês no Canadá. Ela encontrou o programa ideal para seu perfil: trabalharia meio período na casa da família que a hospedaria, e meio período estudaria com uma bolsa.

 “Eu me inscrevi em janeiro do ano passado, passei por todos os processos e fui aprovada. Mas desisti antes de ir, porque meu medo era muito grande”, diz a jovem, que se assustou com os relatos de amigos que não tiveram uma boa experiência no programa. “Imagina conviver com uma família totalmente diferente? Tive medo de não me adaptar. Comecei a pensar no frio também, que não iria me adaptar ao clima. Esse medo foi aumentando. Eu não tinha maturidade para isso, não tinha a noção de independência na época”, diz a estudante.

Para Leonardo Freitas, sócio-fundador da consultoria norte-americana Hayman-Woodward, essa independência é cada vez mais valorizada na hora de buscar um emprego. “Uma experiência no exterior amplia os horizontes profissionais, culturais e pessoais. No mercado de trabalho é cada vez mais valorizado ter uma experiência em uma outra cultura, em outro país.”

Segundo ele, a facilidade para obter informações sobre o destino escolhido vem ajudando na adaptação do intercambista. “É possível acessar, em diversos fóruns na internet, as experiências que são compartilhadas por estudantes que já participaram de programas no exterior, ou mesmo interagir com quem ainda está no exterior.”

Fonte: Estadão