Em meio às discussões para a reforma da Previdência, o brasileiro aumentou a sua reserva para a aposentadoria, mas ainda poupa menos do que o necessário para manter a sua renda e qualidade de vida, segundo uma pesquisa mundial da gestora americana Legg Mason. No recorte de Brasil, disponibilizado para o Valor, a instituição ouviu 900 investidores, separando-os por grupos geracionais, de gênero e classes de renda. A percepção geral dos entrevistados é que um ano de salário seria suficiente para viver os anos da velhice fora do trabalho, e mesmo nas classes de renda mais alta se observa esse tipo de ilusão financeira.
Ao redor do mundo, os entrevistados têm poupado entre 3,7% e 14,6% do que precisariam, de fato, para prover um sustento estimado em 70% do que tinham na ativa por 20 anos, como recomenda a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil fica perto da ponta mais baixa, com uma reserva de 5,3% do valor considerado adequado.
Pelo levantamento, na média, quem já tem algum dinheiro para a aposentadoria acredita que R$ 170 mil acumulados são suficientes para viver a fase da velhice. Os “millenials” (de 18 a 35 anos) calculam que R$ 133 mil bastam. Já o grupo da geração X (de 36 a 52 anos) pensam que R$ 189,5 mil é um valor adequado, enquanto os “baby boomers” (de 53 a 71 anos) falam em R$ 233 mil. Mesmo entre os indivíduos da alta renda afluente uma acumulação de R$ 519,8 mil é considerada o bastante.
“Quando se compara com o perfil social, ninguém se aposenta com isso”, diz Roberto Tepermeman, executivo-chefe de vendas e desenvolvimento de negócios da Legg Mason no Brasil. “O brasileiro entende que a previdência pública tem problemas, acha que não vai receber o que gostaria do governo e dos fundos privados, mas ainda não investe o suficiente para ter uma vida confortável lá na frente.”
Paradoxalmente, na média, 74% dos entrevistados mencionaram ter como meta desfrutar de uma boa renda na velhice, 66% aspiram ter dinheiro suficiente para manter o padrão de vida pré-aposentadoria, e 63% deles manifestaram a pretensão de pendurar as chuteiras cedo. Uma fatia de 56% acrescentou a importância de ter acesso a um bom plano de saúde.
O futuro incerto do sistema público de pensão brasileiro provavelmente influenciou nesses resultados, avalia a Legg Mason. Um dos problemas para essa percepção irrealista, diz Teperman, é que o investidor costuma fazer a conta de juros nominais em cima do que guarda, quando o ideal seria calcular o ganho real, quanto se obtém acima da inflação. “Não adianta ter mais dinheiro nas aplicações se o poder aquisitivo caiu.”
Para se ter uma ideia, um indivíduo com 35 anos e que tenha gastos mensais de R$ 4.850 teria que fazer uma contribuição mensal de R$ 1.276 se começasse a fazer aportes num plano de aposentadoria hoje para ter uma renda próxima da atual quando se aposentasse aos 60 anos. Pelo cálculo feito no simulador de aposentadoria Target, da Icatu Seguros, o aplicador com perfil moderado de tolerância a risco teria acumulado R$ 1,082 milhão nesse intervalo, considerando-se um retorno médio de 6% ao ano.
Neste ano, até 7 de julho, os fundos de previdência complementar atraíram R$ 18,9 bilhões, atingindo um patrimônio líquido de R$ 671,4 bilhões. Só no ano passado, a categoria registrou captação recorde de R$ 48,2 bilhões, segundo dados da Anbima, a entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos. Todo o noticiário em torno da reforma da Previdência parece contribuir para que o investidor passe a considerar uma reserva exclusiva para a aposentadoria. A estreia de gestoras independentes no segmento, com uma dezena de novos nomes, e a distribuição de fundos pelas plataformas têm auxiliado na disseminação, pontua Gustavo Pires, sócio da XP Investimentos, responsável pela plataforma de fundos.
Esse é um mercado relativamente novo no Brasil. Foi a partir da estabilização da moeda, com o Plano Real, que a previdência privada começou a florescer no país. E foi apenas em 1998 que surgiram o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), que permite abater de cálculos do IR até 12% do aporte anual, e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), em que o imposto incide sobre o rendimento do plano e não sobre o total acumulado.
“Os principais produtos têm menos de 20 anos, é natural que haja um aculturamento”, diz o diretor-geral de negócios financeiros da Porto Seguro, Marcelo Picanço. “Estamos saindo de um período em que havia certa expectativa, ou ilusão, de que o Estado redistribuiria de forma benevolente os recursos.” Agora, com o debate para a revisão das regras, começa a haver uma conscientização de que a previdência pública será apenas para cobrir o básico, diz.
Mesmo assim, Picanço acrescenta que o brasileiro começa a planejar mais tarde do que deveria a aposentadoria, o que exige um sacrifício de poupança maior. “Se começasse a pensar nisso aos 23, 24 anos, poderia guardar o equivalente a uma pizza por mês.”
O executivo sugere que, desde o primeiro salário, o trabalhador reserve uma pequena fração para a previdência, que pode começar em 4% da renda, e não use essa acumulação para nenhum outro fim. Se quiser viajar ou comprar um carro, deveria poupar o dinheiro em gavetas separadas.
O recomendável é, desde os primeiros aportes, condicionar o padrão de vida sem contar com o dinheiro já separado para a aposentadoria, diz Felipe Bottino, diretor de produtos de previdência da Icatu Seguros. E a cada aumento de salário, incrementar a parcela destinada à previdência. Ele lembra que o aumento da longevidade e as mudanças das condições macroeconômicas, as contas feitas há dez anos por alguém que tenha planejado a aposentadoria já não valem mais. “O investidor tem sempre que revisitar esse tema, atualizar as condições porque muda a expectativa de vida, o padrão de renda e o retorno esperado.”
Com o envelhecimento da população, cada vez mais há o reconhecimento do investidor de que a previdência pública não será suficiente para custear a aposentadoria. E se a economia, de fato, reagir, com juros sensivelmente mais baixos, a renda variável tende a ser o destino para engordar o valor reservado para a velhice, diz o sócio sênior da Boston Consulting Group (BCG), André Xavier.
Tal inclinação aparece na pesquisa da Legg Mason, que investigou o sentimento do investidor de maneira ampla, não só sob a perspectiva da aposentadoria. Entre os brasileiros ouvidos, 53% mostraram disposição para tomar mais risco neste ano, comparados a 37% globalmente. Contudo, apenas 20% dos aplicadores locais descrevem sua tolerância a risco como agressiva, ante uma fatia de 28% no mundo. E são justamente os millennials o grupo com maior propensão a arriscar mais (71%), enquanto na geração X e entre os baby boomers essa proporção é de 47% e 35%, respectivamente.
Apesar de o histórico de taxas altas na renda fixa no Brasil ofuscar a busca pela diversificação, Picanço, da Porto Seguro, cita que é justamente o público mais jovem que pode se expor mais por ter um horizonte de acumulação de capital maior. “O jovem tem 40 anos para correr risco, se a bolsa cai ou sobe por três anos, por que ficar preocupado? A pergunta que tem que fazer é se em 40 anos o investimento vai render mais do que o CDI.”
Questionados sobre que investimentos tendem a trazer as melhores oportunidades em 12 meses, 33% dos entrevistados pela Legg Mason citaram o mercado acionário local e 24%, o internacional. O mercado imobiliário liderou as respostas, com 43%.
Fonte: Valor Econômico