Discussões sobre valores de créditos, nas recuperações judiciais, poderão ser resolvidas de forma mais simples e rápida em São Paulo. As empresas devedoras passaram a ter um caminho alternativo: em vez da abertura de incidente (que são pequenas ações dentro do processo), a companhia poderá realizar sessões de conciliação e tentar um acordo direto com os credores quando discordarem sobre a quantia devida.
O estreante na modalidade é o grupo de infraestrutura Inepar – em recuperação desde 2015. São cerca de 14 mil credores sujeitos ao processo e há divergências relacionadas ao pagamento de aproximadamente 1,2 mil deles.
Quando se fala em divergência significa que no quadro geral de credores sujeitos ao processo consta determinado valor como devido e uma das partes discorda do montante. Nessas ocasiões é habitual que essa parte – seja o credor ou a própria empresa devedora, que pode ter errado nos cálculos – apresente a contestação.
E a cada contestação toda a máquina do Judiciário precisa ser movimentada: do cartório, passando pela decisão do juiz até a publicação na imprensa oficial. O caso da Inepar, por exemplo, demandaria a análise individual das mais de mil ações.
“Levaria em média de seis meses a um ano para resolver e isso se não houvesse recurso para o tribunal”, diz o juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo. Foi ele quem permitiu o uso da conciliação no processo da Inepar.
As sessões de conciliação são realizadas fora dos tribunais. As partes tratam diretamente dos problemas e cabe a elas a tomada de decisão. “Costuma ser muito rápido. As sessões são marcadas para 20, 30 dias e lá se resolve. O valor é alterado no quadro geral de credores já no dia do acordo” afirma Carnio Costa.
Dessa forma, afirma o juiz, o processo de recuperação ganha em eficiência e a empresa que está em crise ainda economiza com os custos que teria para resolver judicialmente essas pendências.
No caso da Inepar, as sessões de conciliação estão sendo capitaneadas pelo administrador judicial do processo. Três mutirões foram organizados – e até agora um deles já realizado. Para esse primeiro foram chamados os credores quirografários (da classe sem garantias, composta principalmente por fornecedores).
Luis Vasco e Ana Beatriz Martucci Nogueira, representantes da Deloitte, que atua como administradora judicial no processo da Inepar, dizem que a escolha foi estratégica. “Como era a primeira vez, optamos por começar pelo grupo com o menor número de impugnações”, diz Ana Beatriz.
Como na conciliação tem de haver a participação espontânea das partes, foi publicado um edital convidando os credores para as sessões. O retorno, inicialmente, foi pequeno. Ana Beatriz detalha que por tratar-se de uma iniciativa inédita no país eles não entenderam muito bem o que estava acontecendo. “Fizemos então um trabalho de formiguinha. Telefonamos para cada um dos credores e explicamos qual era o propósito.”
Foram fechados, ao todo, 28 acordos – o que representa um índice positivo de 66%. O próximo mutirão será voltado ao grupo de credores composto pelas micro e pequenas empresas e também aos remanescentes dos quirografários.
“Porque muitos que não compareceram ao primeiro, depois de saber sobre os resultados nos procuraram questionando se ainda dava tempo”, conta a representante da Deloitte. Esse segundo mutirão está previsto já para o mês de agosto.
Já o terceiro envolverá os credores trabalhistas. Trata-se do grupo com o maior número de contestações. A estimativa da Deloitte é que o mutirão seja realizado até o fim do ano.
E é possível ainda que até lá outras empresas em recuperação também tenham adotado o uso da conciliação. O juiz Daniel Carnio Costa afirma que pretende repetir esse modelo em outros processos em que também exista um número grande de divergências entre devedora e credores.
Ele destaca, porém, que são situações restritas aos valores devidos. Nas sessões de conciliação não podem ser tratados, por exemplo, descontos ou formas de pagamento alternativas – que competem ao plano de recuperação e só podem ser alteradas por decisão na assembleia-geral de credores da companhia.
Apesar de o uso da conciliação ser novidade nos processos de recuperação, vias alternativas para a solução dos conflitos entre devedores e credores já vinham sendo estimuladas pelo Poder Judiciário.
Entre elas, a mediação. A diferença é que enquanto na conciliação há a interferência de um terceiro que vai atuar de forma mais ativa para a construção de um consenso entre as partes, na mediação essa pessoa tem um outro perfil. Ela atua mais como uma facilitadora do diálogo, para que as partes encontrem juntas a solução para o problema. A mediação, de forma geral, é usada para casos um pouco mais complexos.
Frentes de negociação desse tipo vêm sendo criadas, por exemplo, no processo de recuperação judicial da Oi – o maior do país em quantidade de credores e valores envolvidos e que tramita na Justiça do Rio de Janeiro. Uma das ações é direcionada aos credores menores, com créditos de até R$ 50 mil.
Está suspensa, porém, devido a uma liminar obtida em junho pelo credor China Development Bank. A Oi, porém, não está impedida de continuar a cadastrar credores interessados em participar da mediação. Até o meio-dia da última sexta-feira, 5.570 credores haviam se cadastrado por meio do site criado especificamente para esta função. Pouco mais de 96% dos credores da operadora têm crédito de até R$ 50 mil a receber, o que contribuiria para desafogar a assembleia-geral prevista para setembro.
Mas há também em curso processos de mediação com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por causa das multas regulatórias que alcançariam R$ 11 bilhões, e com a empresa de cabos submarinos GlobeNet. O mesmo procedimento foi instaurado ainda para solucionar um conflito entre dois dos principais sócios da operadora
Em São Paulo, a prática começou a ganhar força em 2014 – também por uma iniciativa da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências, que agora inova com o uso da conciliação. Na época foram realizadas sessões envolvendo o processo da LBR-Lácteos Brasil. O administrador judicial fez a mediação para buscar consenso para os principais pontos que envolviam a venda de 14 ativos da companhia. (Colaborou Rodrigo Carro, do Rio)
Fonte: Blog Televendas