Jornal GGN – Desde julho de 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU) analisa o drible que estados e municípios aprenderam a dar na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para colocar dinheiro no caixa sem contrair dívida. A prática ficou conhecida como securitização da dívida ativa.
Começou com a Prefeitura de Belo Horizonte, que teve a ideia de vender papéis da dívida ativa parcelada, aquela contraída pelo contribuinte por inadimplência, mas já assumida e negociada. O objetivo era antecipar o recebimento. Para isso, a administração criou um Fundo de Investimento em Direito Creditório (FIDC) para negociar com o mercado.
O Estado de São Paulo seguiu na mesma direção e criou uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), a CPSEC (Companhia Paulista de Securitização), para gerir as operações.
O Rio Grande do Sul também aderiu e desenhou uma operação tendo o CADIP (Caixa de Administração da Dívida Pública Estadual) como veículo de captação.
O governo do Estado de Minas Gerais gostou da solução, mas a essa altura já havia contestação do TCU e para não criar problema a administração decidiu vender os títulos para uma empresa estatal e leva-los a mercado como debêntures.
No ano passado, o Distrito Federal conseguiu aprovar lei com o mesmo propósito.
Agora, o prefeito de Vitória (ES), Luciano Rezende, tenta convencer os vereadores das vantagens do modelo. Ele precisa de quórum qualificado (10 votos de 15) para aprovar o projeto. A expectativa é que isso ajude a resolver os problemas de caixa criados pelo fim do Fundap (Fundo das Atividades Portuárias), que gerava uma receita importante para o Estado, que era repassada, em parte, para o Município.
Para o professor de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Edmundo Emerson Medeiros, a primeira coisa que deve ser decidida é se esse tipo de operação vai ser vista como um empréstimo ou como a venda de um ativo. “Se eu entender que, ao securitizar a dívida ativa de um Município ou Estado, eu estou tomando um empréstimo, eu esbarro em uma barreira importante, que é a proibição de endividamento. Por outro lado, se eu entendo que estou simplesmente vendendo um ativo, aí eu tenho uma situação que consigo administrar sem grande controle da Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse.
Quem vai decidir isso é o TCU, mas o processo já está correndo há alguns anos e até agora não teve parecer do relator, o ministro Walton Alencar. Para piorar, o julgamento está em segredo de Justiça, o que dificulta o debate da sociedade sobre o tema. “Por que segredo de Justiça numa questão tão importante e pública como essa? Isso tinha que estar sendo discutido aos quatro ventos”, afirmou Medeiros.
A despeito disso, a prática continua a se tornar cada dia mais comum. É vantajoso para estados e municípios? Pode ser. Depende da necessidade de caixa e do deságio, ou seja, de qual percentual da dívida coletada vai ser repassado para os investidores. E é vantajoso para o investidor? Na opinião de Edmundo Medeiros, se tem alguém comprando esses papéis, é porque sim. “O mercado não dá ponto sem nó. O mercado não vai comprar uma dívida ruim pagando preço alto. Se tem gente pagando pelo título com lastro nesse fluxo de recebível é porque o preço está bom”, avisou.
O secretário da Fazenda de Minas Gerais, José Afonso Bicalho, garante que as operações são feitas sem deságio. “O que você tem é um pagamento de encargo. Normalmente você paga uma taxa de juros para quem comprar a debênture. No caso da Prefeitura de Belo Horizonte foi lançado com IPC [Índice de Preços ao Consumidor] mais 6%. Minas Gerais foi CDI [Certificado de Depósito Interbancário] mais 2%”, detalhou.
O Estado de Minas Gerais tem hoje R$ 50 bilhões de dívida ativa. R$ 3 bilhões negociados e o resto não. “O que nós vamos fazer agora é um grande programa de renegociação para tornar esse crédito parcelado e com isso eu poder fazer novas operações de securitização”, explicou Bicalho.
Da última vez que o Estado securitizou a dívida ativa, ele ainda não estava à frente da pasta. Ainda assim, está familiarizado com a operação realizada na época. “A primeira foi de R$ 300 milhões e o Estado usou R$ 1,8 bilhão de crédito tributário. Ou seja, R$ 1,8 bilhão foi o valor da carteira que foi segregada para que o Estado pudesse lançar as debêntures e captar R$ 300 milhões em mercado”.
O Estado decidiu ser cuidadoso. Para evitar uma decisão desfavorável do TCU que possa punir o administrador, a dívida em si não vai mais a mercado. “O que vai a mercado é a debênture, que tem como lastro o recebimento da dívida ativa”, disse Bicalho.
Ele defende a operação. “Esse é um caminho que os estados fizeram para começar a poder financiar seus investimentos. O Estado de Minas Gerais só fez uma vez, em 2012. Mas tem interesse em fazer de novo”, confessou. “Nós chegamos agora, então, estamos mais preocupados em fazer as estruturações normais. Mas eu creio que já no segundo semestre nós vamos tratar dessa questão”.
Fonte: JornalGGN