A disputa entre bancos e poupadores sobre a remuneração das cadernetas das décadas de 80 e 90 pode ser decidida na próxima semana
Entre tantos escândalos de corrupção e tanto vaivém fiscal, uma das disputas mais renhidas do país, capaz de mexer com o bolso de mais de um milhão de brasileiros, está próxima do fim. É a disputa entre bancos e poupadores sobre a remuneração de cadernetas das décadas de 80 e 90. Nas contas do governo, a conta pode chegar a 50 bilhões de reais.
A disputa dura mais de duas décadas – a primeira ação sobre o tema é de 1993 – mas voltou a andar de um ano para cá e ganhou ritmo de velocista nos últimos dias. Na próxima terça-feira, uma reunião na sede da Advocacia-Geral da União, em Brasília, colocará as partes frente a frente para tratar dos principais pontos da negociação, o terceiro encontro em um mês. A velocidade é tamanha que há quem diga que a negociação está na reta final. “Estamos na iminência de um acordo histórico”, diz um dos negociadores, que preferiu não ser identificado.
Esses processos são uma herança de sucessivos planos econômicos que fracassaram em controlar a inflação e ainda provocaram uma avalanche de processos. O motivo: os planos mudavam os índices que corrigiam os depósitos das cadernetas de poupança para um percentual inferior ao aplicado. No caso do plano Verão, de 1989, a correção passou de 42,75% para 22,35% ao mês.
Os bancos, então, corrigiram todas as cadernetas com o novo índice. Mas os contratos de poupança se renovam a cada 30 dias, o que significa que depósitos feitos num período inferior a um mês deveriam ter sido reajustados com o índice anterior, que era maior, e não foram, o que provocou a reclamação de 1,1 milhão de poupadores, que entraram com processos contra as instituições financeiras.
O cenário de crise é propício para as negociações. O governo tem interesse num fim para essa questão justamente agora porque haverá mais dinheiro sendo despejado na economia num momento de retomada econômica.
Toda a articulação das negociações tem sido feita pela Advogada-Geral da União, Grace Mendonça. Ela assumiu em setembro de 2016 com um tom para a sua gestão de resolver os grandes conflitos via negociação. “Acredito que ela queira deixar a solução desse processo como seu legado à frente do cargo”, diz uma fonte que acompanha as negociações.
Houve um apelo da própria Justiça para que o acordo siga em frente. Após tomar posse, em setembro do ano passado, a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, reuniu os presidentes dos tribunais de Justiça do país para uma conversa. Eles apontaram que a principal questão que entope as cortes hoje é a disputa dos planos econômicos. Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que há 656.541 ações paralisadas que tratam das correções em poupanças.
Os bancos foram, por muito tempo, contra um acordo, com o argumento de que seguiram a lei e não tiveram lucro com as operações. Mas, com os poupadores ganhando as ações na Justiça, foram ao ataque. Em 2009, contrataram três nomes de peso, os juristas Márcio Thomaz Bastos, Arnoldo Wald e Sergio Bermudes. Em março daquele ano, entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal para examinar a constitucionalidade dos pedidos dos poupadores e suspenderam a tramitação de todas as ações sobre o tema no país.
Em 2013, o julgamento deste processo foi iniciado, mas a fase inicial de discussões parou com a alegação que era preciso refazer os cálculos sobre o valor dos processos. A retomada no STF exige o quórum mínimo de oito ministros, o que foi possível no ano passado quando o pai da ministra Carmen Lúcia desistiu de uma ação que possuía referente ao caso e ela se declarou desimpedida de analisar o tema.
E qual o interesse dos bancos em negociar agora? A Febraban, que representa os bancos, diz que não iria se pronunciar sobre o tema. EXAME teve acesso às exigências dos bancos nas negociações com os poupadores, apresentadas no início deste ano. No documento, eles justificam a negociação com a demora de uma solução ao caso e pelo fato de o Superior Tribunal de Justiça já ter reconhecido, no rito de recursos repetitivos, as alegadas diferenças exigidas pelos poupadores.
Nos principais pontos da negociação, ainda há divergências, e é aí que mora a dúvida sobre se a disputa chegou realmente ao fim. No documento de 15 páginas a que EXAME teve acesso, que foi apresentado numa audiência à ministra Carmen Lúcia, os bancos descrevem que estariam dispostos a pagar as indenizações apenas aos poupadores individuais e, no caso das ações civis públicas, a quem estava numa lista inicial anexada ao processo, e não a outras pessoas beneficiadas pelo processo, como os filiados às entidades que ingressaram com a ação.
Caso a vontade dos bancos fosse feita, o número de beneficiados nas ações civis públicas cairia de cerca de 500.000 para 15.000 pessoas. Mas, em maio, o STF garantiu que o ressarcimento deve ser feito a todos os afiliados de associações que ajuizaram ações coletivas, uma perda para os bancos. A leitura dos representantes dos poupadores é de que todos que tinham cadernetas à época têm direito à indenização, o que pode gerar embates.
Os 50 bilhões de reais da conta da equipe econômica consideram o pagamento das indenizações caso os bancos perdessem a ação no STF e todas as ações voltassem a tramitar. Como eles entraram em negociação, espera-se que o número seja menor, e reside aí mais uma vantagem para eles fecharem um acordo. Estima-se que as instituições financeiras tenham 12 bilhões de reais provisionados para as ações dos planos econômicos, 70% com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, e esse tem sido considerado um teto para as tratativas com os poupadores.
No entanto, as instituições financeiras propõem, no documento a que EXAME teve acesso, pagar o valor devido corrigido pelo indexador da poupança (taxa referencial mais 0,5%), sem a incidência de juros moratórios. Com isso, o valor cairia a 2 bilhões de reais. Os poupadores não estão dispostos a abrir mão do valor total provisionado. “Acordo não é esmola”, diz um representante dos poupadores. Em uma coisa as partes concordam: devido ao cenário de crise, o pagamento poderia ser parcelado. O imbróglio é enorme, mas a solução nunca esteve tão próxima.
Fonte: Exame.com