Uma pequena sala com dez funcionários no centro de São Paulo abriga a sede da Acordo Certo. A empresa oferece acordos para o refinanciamento de dívidas, de forma semelhante a um escritório de cobrança, mas com uma plataforma totalmente on-line no lugar das centenas de posições de atendentes de telemarketing dos concorrentes tradicionais. Sem dar um único telefonema, intermediou quase 10 mil acordos e espera encerrar o ano com uma base de 1 milhão de CPFs cadastrados.
A cobrança é mais um dos segmentos que passam por uma transformação com a chegada das novas empresas de tecnologia financeira, conhecidas como fintechs. Essas companhias surgiram com a proposta de aproximar devedores pessoas físicas e credores, incluindo bancos e empresas, em vez de simplesmente cobrar as dívidas, valendo-se de expedientes nem empre amigáveis.
Formada por ex-sócios da corretora Clear, adquirida pela XP Investimentos, a Acordo Certo aposta na tecnologia para conseguir um percentual maior de acordos do que as empresas tradicionais do ramo. “Não basta apenas criar um site”, afirma Dilson de Sá, sócio da empresa.
Sem usar o telefone para ir atrás dos devedores, as fintechs que oferecem o serviço de negociação de dívidas se valem do cruzamento de dados de diversas fontes – o chamado “big data” – para localizar os devedores. A oferta de um acordo pode ser feita por e-mail, SMS ou via anúncios patrocinados em sites como Google e Facebook.
A mensagem também é diferente. Em vez de se colocar do lado credor, as empresas se apresentam como mediadoras, em busca de um acordo que seja benéfico para ambos os lados. As plataformas incentivam ainda o usuário a fazer uma proposta espontaneamente, mesmo se o credor não for cliente da empresa.
Com mais de duas décadas de experiência no setor de varejo, como executivo e consultor, Marc Lahoud se habituou a lidar com problemas relacionados à inadimplência dos clientes. “A recuperação costuma ser difícil e com um nível alto de atrito”, afirma.
A possibilidade de melhorar essa relação em um momento delicado tanto para o credor como para o devedor levou Lahoud a lançar a QueroQuitar!. O objetivo da empresa é funcionar como “mesa de negociação on-line”, a partir da olhar do consumidor, ao contrário da cobrança tradicional. “Não falamos em cobrança nem em negativação, queremos resolver o problema das partes sem entrar em conflito”, diz Lahoud.
As plataformas não cobram nada do cliente que usam o sistema para renegociar suas dívidas. Assim como nas empresas de cobrança tradicionais, a receita das fintechs vem de uma comissão paga pela empresa por acordo fechado. Selecionada pelo inovaBra, programa de inovação patrocinado pelo Bradesco, a QueroQuitar! possui hoje uma base de 3 milhões de CPFs e tem hoje o banco como um dos clientes.
Em meio a uma crise econômica que levou quase 60 milhões de pessoas a serem negativadas nos birôs de crédito, as plataformas de negociação on-line têm um amplo espaço para crescer. “Um número maior de pessoas está se sentindo confortável para negociar suas dívidas no ambiente digital”, afirma Paulo de Tarso Marques Rosa, sócio e co-fundador da Kitado
Formado em estatística, Rosa fez carreira no sistema financeiro criando e ajustando os modelos usados pelas instituições financeiras para conceder empréstimos. Posteriormente, virou diretor da área de recuperação de crédito, quando conheceu os canais usados para fazer a cobrança das dívidas. “Percebi que havia uma preocupação grande do banco em com e quando receber o dinheiro, mas não na relação com os clientes”, diz.
A Kitado surgiu alguns anos mais tarde como um canal que permitisse ao devedor escolher o momento e a forma como quer negociar. “Não somos um escritório de cobrança, e sim uma empresa que facilita a negociação das dívidas”, afirma. Criada em 2014, a Kitado promove 40 mil acordos por mês e tem entre os clientes Itaú, Santander e Banco Pan, além de empresas como a ViaVarejo.
Além de ajudar na negociação das dívidas, a plataforma recentemente lançou um novo site (Tudo Kitado), com dicas de como obter uma renda extra baseadas no perfil de cada usuário. A abordagem mais próxima do devedor se reflete nos índices de recuperação e pagamento, ambos maiores do que nas empresas de cobrança tradicionais, segundo o sócio da Kitado
Para ele, as fintechs devem atuar de forma complementar e não irão substituir os escritórios de cobrança tradicionais. “Nós não alcançamos o devedor que não está disposto a negociar nem aqueles que não têm familiaridade com o meio digital”, afirma. O grande problema histórico dessa indústria, diz, foi tratar todos como se fossem esse público.
Fonte: Valor Econômico