Duplicata digital pode ampliar em R$ 480 bi crédito para empresas

Sem alarde, o governo conseguiu levar adiante mais um ponto da agenda de redução dos spreads bancários e ampliação do crédito, com a aprovação da Medida Provisória nº 775 pelo Congresso e a regulamentação do registro centralizado de ativos financeiros. As mudanças abrem espaço para a criação da chamada duplicata digital, uma das bandeiras na agenda microeconômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e que tem como principal chamariz a redução potencial do risco de crédito, ao inibir fraudes.
O uso de duplicatas e outros recebíveis como garantia para empréstimos tem o potencial de ampliar em R$ 480 bilhões o saldo de crédito para as empresas brasileiras. Os cálculos são da Central de Recebíveis (Cerc), empresa formada por executivos do mercado financeiro para atuar no registro dessas operações. O total de recebíveis disponíveis para uso em garantia é estimado em pelo menos R$ 1,9 trilhão.

Em linhas gerais, a medida aprovada no Congresso e sancionada nesta semana pelo presidente Michel Temer permite aos bancos fazer o registro de restrições (gravames) sobre ativos financeiros em centrais autorizadas a operar pelo Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “É uma medida simples, mas com um potencial grande de beneficiar a fluidez e a segurança do mercado de crédito”, disse ao Valor Otávio Damaso, diretor de regulação do Banco Central.

Antes da MP, o registro de ativos dados em garantia de operações de crédito, como os certificados de depósito bancário (CDB) e as duplicatas, precisava ser feito em cartório, o que em muitos casos inviabilizava a transação. A medida abre espaço para que essas garantias sejam “bloqueadas” eletronicamente, segundo Damaso. Outro passo importante para a criação das centrais que vão controlar o fluxo de duplicatas foi dado nesta semana, com a regulamentação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) da forma como as instituições financeiras farão o registro dos ativos financeiros.

A antecipação de recebíveis de vendas feitas a prazo é uma das formas mais comuns de as empresas se financiarem, principalmente as de pequeno e médio porte. Para os bancos, trata-se em tese de um crédito de baixo risco, com prazos curtos e inadimplência reduzida. O saldo de crédito com lastro em recebíveis, incluindo as linhas bancárias e de fundos e empresas de factoring, é da ordem de R$ 400 bilhões, de acordo com a Cerc.

O grande problema da operação é a incidência de fraudes, entre elas o uso de notas frias e o desconto da mesma duplicata em diferentes instituições financeiras. A expectativa é que o registro eletrônico em centrais ligadas aos sistemas de bancos e investidores ajude a coibir as irregularidades e aumente a segurança para quem concede o crédito.

A tendência é que a maior segurança leve bancos e fundos que investem em recebíveis a emprestar mais, segundo Marcelo Maziero, presidente do conselho de administração da Cerc. “O acesso ao crédito hoje é uma das principais carências das empresas, principalmente as de menor porte”, afirma. A Cerc entrou com pedido no BC para atuar como entidade de registro de recebíveis de crédito.

Além de estimular os bancos, a nova regulação pode atrair mais fundos e empresas de tecnologia financeira (fintech) a atuar no mercado de desconto de recebíveis, segundo Carlos Ratto, diretor da B3. A bolsa já oferece o serviço de registro para valores mobiliários, como debêntures, e derivativos dados em garantia em operações de crédito. O saldo dessas garantias hoje é da ordem de R$ 10 bilhões. A B3 também pretende expandir as atividades de registro para os demais ativos financeiros após a regulamentação do BC, diz Ratto.

A nova regulação para o registro de garantias vai na direção certa, mas não é condição única para a redução dos spreads de crédito. “Ainda existem pontos na legislação a evoluir”, afirma o diretor da B3. Ele cita, por exemplo, o fato de a cédula de crédito bancário (CCB), um dos principais títulos de crédito a empresas, ainda ser um instrumento cartular, ou seja, que precisa ser emitido em papel.

Um passo nesta direção já foi dado com outra mudança promovida pela MP 775, que foi incluída durante a tramitação no Congresso e possibilitou a emissão de Certificado de Depósito Bancário (CDB) apenas de forma eletrônica – prática já adotada pelo mercado.

De caráter mais técnico, a medida sancionada nesta semana passou longe da polêmica provocada por outras medidas que foram ao Congresso na mesma época, como a nova taxa de juros do BNDES (TLP) e os acordos de leniência de instituições financeiras. Ainda assim, trata-se de uma das principais apostas do governo dentro da agenda para estimular e reduzir o custo do crédito no país.

O pacote de mudanças microeconômicas em estudo no governo inclui também a regulamentação dos distratos em contratos de compra e venda de imóveis e ajustes na Lei de Falências. A expectativa é que essas medidas provoquem um efeito semelhante ao das iniciativas aprovadas no início do governo Lula, que permitiram a forte expansão dos financiamentos  imobiliários e no consignado.

Fonte: Valor Econômico