O telefone fixo sempre foi a arma de cobradores para encontrar os devedores. Mas essa tecnologia, que caminha para a irrelevância, ganhou um novo adversário. São as startups financeiras baseadas em tecnologia, conhecidas como fintechs, que prometem revolucionar esse negócio, dominado atualmente por assessorias de cobrança e por birôs de crédito. “O brasileiro quer pagar a conta, mas nem sempre sabe como renegociar com o credor”, afirma Dilson de Sá, CEO da Acordo Certo.
Ao lado de nomes como QueroQuitar e Blu365 (que até o fim de 2017 chamava-se Kitado), a Acordo Certo quer atualizar as técnicas de negociação com as pessoas que não estão com as contas em dia. Entre as mudanças estão privilegiar as negociações por meio digital e preservar a privacidade do devedor, permitindo que ele se informe sobre as condições e formule sua proposta de pagamento pela internet. Nesse novo cenário, todos ganham: o cobrador lucra ao recuperar o crédito, a fintech recebe uma fatia do valor pago e o consumidor consegue pagar um valor que se ajusta ao seu bolso e, de quebra, limpa o seu nome.
Essas empresas buscam ganhos de escala, mesmo cobrando faturas pequenas. “Já fizemos acordos de R$ 8”, diz André Monteiro, diretor de tecnologia da Acordo Certo. No modelo tradicional, os custos de telefonia e mão de obra tornavam inviáveis cobranças inferiores a R$ 200. Na Acordo Certo, a média dos negócios fechados é de R$ 500, oscilando de R$ 200 das contas de telefone até R$ 2 mil para dívidas bancárias. Ao iniciar os trabalhos com a plataforma, em 2017, a companhia recuperava R$ 5 mil por mês. Agora recupera R$ 450 mil e espera superar R$ 1 milhão por mês no fim deste ano. “Essas empresas aproveitam um nicho muito mal atendido e conseguem recuperar mais crédito”, diz Fabio Gonsalez, sócio da consultoria de Torq.
O mercado potencial é gigantesco. Mais de 62 milhões de brasileiros constam como “negativados” e devem R$ 250 bilhões para lojas, bancos e empresas de serviços. Essa conta não inclui pequenos devedores, cujos nomes não constam dos cadastros de maus pagadores. “Se considerarmos quem deve e não está com o nome sujo, o número de inadimplentes supera 50% da população”, diz Marc Lahoud, sócio da QueroQuitar. A fatura com o setor público é muito maior. Só a Prefeitura de São Paulo tem R$ 100 bilhões a receber.
Isso explica o crescimento rápido dessas fintechs, que começaram a surgir em 2014. O número de clientes e usuários das plataformas, no entanto, explodiu nos últimos meses, atraindo investidores. Um bom exemplo é o Monashees. O fundo brasileiro de capital de risco foi um dos investidores do aplicativo de transporte 99, que foi comprada pela chinesa Didi Chuxing, tornando-se o primeiro unicórnio brasileiro, denominação das empresas iniciantes que valem mais de US$ 1 bilhão. Em 2016, o Monashees investiu na Blu365, que usa big data e referências comportamentais para lidar com o devedor.
Por exemplo, seus sistemas detectam se o cliente prefere contato pessoal ou receber uma mensagem pelo celular. “A pessoa está num momento de fragilidade e, se o processo não for bem conduzido, vira atrito”, diz Alexandre Lara, sócio da Blu365. O engenheiro da computação veio do mercado financeiro, assim como seu sócio, o estatístico Paulo de Tarso. A fintech faz 35,5 mil negociações por mês, acertando R$ 35 milhões de dívidas, com quase um milhão de famílias. A empresa tem 20 clientes, nomes como Via Varejo e Avon. A meta é triplicar esse número nos próximos meses, ao abrir a sua plataforma para empresas médias e pequenas.
Outro exemplo de fintech que surfa nessa onda é a QueroQuitar. Em 2015, ela integrou a primeira turma de empresas que obteve recursos da inovaBra, programa de inovação do Bradesco. A Wayra, aceleradora da espanhola Telefônica, embarcou no projeto em junho de 2016. No fim de 2017, a QueroQuitar recebeu R$ 1 milhão da BR Startups, fundo mantido pela Microsoft, Banco Votorantim, BB Seguridade, grupo Algar e Monsanto. Além dos investidores, a fintech presta serviços para Porto Seguro, Santander, MRV e fechou um convênio com o governo paulista para ajudar na arrecadação.
Como a QueroQuitar, a Acordo Certo só faz contatos por meio de plataformas de internet. Até 2017, a fintech entrava em contato com o cliente por meio digital, mas a transação seguia o modelo tradicional. No ano passado, tudo foi informatizado. Saíram os cobradores truculentos, entrou a inteligência artificial. “Quando começamos, o mercado de cobrança era arcaico, sem usar tecnologia e empregando muita gente”, afirma Sá, da Acordo Certo. Algumas empresas de cobrança empregam cinco mil pessoas para telefonar para os clientes, ao passo que a startup tem apenas dez funcionários.
No cenário internacional, uma empresa parecida com as brasileiras, a americana Credit Karma, focada em divulgar as notas de crédito das pessoas, está avaliada em US$ 3,5 bilhões, o que a tornou uma das fintechs mais valiosas do mundo. Porém, diferentemente do que ocorre em outros negócios, as empresas de cobrança não seguem modelos internacionais. “Estamos acostumado a copiar referências de fora, mas nesse nicho estamos sendo copiados”, diz Lara. É um caso raro de empresas que são loucas por dívidas.
Fonte: Blog televendas