As restrições financeiras sobre as firmas brasileiras são tão elevadas que, para as empresas que não têm condições de buscar recursos no exterior, conseguir crédito no país pode se transformar em um calvário. Estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, no Brasil, 41% dos empresários simplesmente não conseguem tomar um financiamento bancário. Enquanto 59% das firmas brasileiras têm acesso a empréstimos em bancos, nos países desenvolvidos o percentual médio é de 95%.
Um dos maiores complicadores é a grande quantidade de garantias exigidas. Elas chegam a 95% do valor do empréstimo, no caso do Brasil, e a 50% do total financiado a empresas de nações desenvolvidas. Outro fator que dificulta a vida dos empresários brasileiros é o elevado spread bancário – diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física ou empresa. No Brasil, o spread é de 12% ao ano, enquanto nos países desenvolvidos o percentual é de 3%.
De acordo com um dos autores do estudo, Napoleão Silva, o baixo grau de acesso a crédito e a grande ineficiência na intermediação financeira são gerados por imperfeições no sistema bancário brasileiro. Como consequência, a intensidade com que as firmas utilizam financiamento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é muito baixa: enquanto no Brasil o crédito privado atingiu 47% do PIB em 2017, nas nações de renda elevada, o percentual médio é de 113%.
– No Brasil, existe um custo elevado de acesso ao mercado de crédito. Há custos de transação fixos, tarifas bancárias anuais elevadas, requerimentos de documentação, inexistência de agências bancárias na região e outras barreiras – afirmou o pesquisador. – Se essas imperfeições no mercado financeiro fossem eliminadas, de tal forma que o grau de desenvolvimento financeiro no Brasil atingisse o nível das nações desenvolvidas, os efeitos sobre o nível de renda per capita no país seriam substantivos – acrescentou ele.
Nem sempre os bancos são vilões, destacou. Segundo Silva, um dos problemas a serem sanados é que as instituições têm poder limitado para forçar o cumprimento dos contratos dos empréstimos. Entre as razões, estão informação incompleta, legislação deficiente e frequentes ganhos de causas favoráveis aos devedores pelo Judiciário.
Exemplos de tentativas malsucedidas na corrida pelo crédito não faltam. Elvio Júnior, sócio de uma gráfica em Brasília, teve de transferir um imóvel para o nome de seu pai, para juntar ativos que somassem 130% do valor do financiamento de que precisava em um banco público. A firma familiar pediu R$ 1 milhão, mas precisava ter R$ 1,3 milhão em garantias para obter o empréstimo.
– Somos uma empresa familiar. Tivemos que nos juntar e somar tudo o que tínhamos para apresentar as garantias, senão não teríamos o empréstimo. Fizemos transferência de patrimônio para viabilizar a operação – disse.
BOM CLIENTE SEM CRÉDITO
Elvio se queixou de outro problema frequente: para ter uma taxa de juros atraente, o tomador às vezes precisa levar junto um pacote de serviços e manutenção da conta mais caro do que a média do mercado, além de adquirir títulos de capitalização e contratar seguros oferecidos pela instituição.
No ano passado, Elvio pediu para o banco refinanciar uma dívida, pois não conseguia pagar a prestação. A instituição financeira levou 95 dias para responder e, para sua surpresa, aumentou os juros. Isso porque, no contrato que ele havia assinado, havia uma cláusula dizendo que, quando o tomador ficasse inadimplente por 90 dias, o banco poderia aumentar os encargos. Seu saldo devedor subiu de R$ 80 mil para R$ 150 mil.
– Felizmente, já quitei todas as minhas dívidas. Mas, se você me perguntar o que precisa ser feito, só se explodirmos o sistema financeiro – brincou.
José Aurinho, proprietário de uma fábrica de móveis em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, disse que está tentando um empréstimo para implantar energia solar na empresa e não consegue. O banco exige a averbação da escritura de um terreno que ele ainda não quitou.
– Sou um bom cliente e pago tudo em dia. O valor não é tão absurdo, é de R$ 123 mil – afirmou.
Já o lojista Paulo Henrique Souza Moreira tinha quatro lojas de roupas, calçados e acessórios em Brasília. Teve de encerrar três estabelecimentos no ano passado porque não vendia e ainda precisava pagar as dívidas bancárias. Fechou 20 postos de trabalho.
– Para conseguir empréstimo no Brasil, você precisa dar um rim como garantia. Sem contar os juros e as dificuldades. Neste país, só quem consegue juros baixos são os grandes empresários – resumiu Moreira.
Para o pesquisador do Ipea, são necessárias algumas providências para melhorar o quadro atual. Silva citou a aprovação do cadastro positivo, que tem potencial para reduzir o nível de exigência de garantias. Ele também mencionou o aperfeiçoamento da Lei de Falências, para assegurar maior proteção aos credores, e o aumento da eficiência no setor financeiro.